FOLHA DE SP - 05/03
RIO DE JANEIRO - Alain Resnais, que morreu sábado em Paris, aos 91 anos, dizia-se um "cineasta do imaginário". A definição é importante quando se considera o filme pelo qual, nos anos 60, ele se tornou o centro das discussões sobre cinema: "O Ano Passado em Marienbad" (1961). Nunca um filme dividira tanto as opiniões: ou se o achava uma radical reinvenção da linguagem, ou se ia embora aos 15 minutos de projeção, dando bananas para a tela.
Àqueles para quem "Marienbad" não significava nada, Resnais aconselhava a que cada um o interpretasse a seu próprio modo, e este seria o correto. E acrescentava que, se dependesse dele, o filme seria exibido em sessões contínuas, sem créditos, com o espectador entrando e saindo da sala quando quisesse. E por que não, se nunca se sabe o que é presente ou passado, realidade ou imaginação? O imaginário está cheio de significados, mas não no sentido da lógica do relógio.
No filme, ao som de um hipnótico órgão, a câmera circula pelos labirintos de um castelo barroco transformado em hotel, seguindo um homem (chamado "X") que tenta convencer uma mulher ("A") de que eles viveram um romance em Marienbad no ano anterior. Tudo isto diante de "M", o marido dela, que apenas observa. Nada "acontece". Os homens são quase imóveis, as vozes em off falam um texto em círculos, as árvores em torno deles não projetam sombras.
Suponha agora que o romance tenha acontecido, mas, por causa dele, "M" tenha matado "A". Atormentado de culpa, "X" volta ao castelo um ano depois e conta incessantemente a história para si mesmo, tentando alterá-la. Ou imagina estar fazendo isto. Talvez não haja ninguém ali --nem ele. A realidade é o filme.
Bem, esta é só uma das muitas interpretações. O fato é que ninguém se atrevia a comer pipoca ao assistir a "O Ano Passado em Marienbad".
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