O Estado de S.Paulo - 05/03
Está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) um dos temas mais relevantes dos últimos tempos para o futuro da economia brasileira. Trata-se da discussão sobre se deve ou não ser permitido que pessoas jurídicas contribuam para as campanhas eleitorais.
Dos 11 juízes da Suprema Corte, 4 já explicitaram o seu voto e todos foram contrários a essas doações. O quinto juiz a votar, que seria o ministro Teori Zavascki, pediu vista do processo e com isso a votação foi suspensa temporariamente.
Neste artigo pretendo demonstrar que poucas vezes a conjuntura econômica brasileira poderá ser tão afetada por uma decisão do STF quanto desta vez. E esse impacto se dará, sobretudo, nas pequenas e microempresas.
O universo dos 6 milhões de empresas formais que existem no Brasil é palco de uma das maiores concentrações de renda e poder de que se tem notícia. Cerca de 60 mil empresas, que representam, portanto, 1% do número total das empresas localizadas em nosso país, são responsáveis por 80% do produto interno bruto (PIB) brasileiro, enquanto as restantes, apesar de representarem 99% do total do número de empresas, participam com apenas 20% do nosso PIB.
Fala-se que a renda das famílias ainda é muito concentrada no Brasil. É verdade. Mas a maior distorção na disparidade de renda está no mundo das empresas. Não conseguimos encontrar país onde a situação das pequenas empresas seja tão ruim. Na Itália e na Alemanha, por exemplo, elas representam 60% dos respectivos PIBs e na Argentina são mais da metade da economia. A causa dessa situação é a inexistência no Brasil de políticas públicas que apoiem as pequenas empresas, bem ao contrário do que se verifica nesses outros países mencionados.
No Brasil simplesmente não existe financiamento de longo prazo para pequenas empresas, imaginem, então, microcrédito. Com isso o pequeno empresário está proibido de crescer. Se quiser que isso ocorra, ele terá de bancar o crescimento com o seu próprio capital - capital de que, em geral, não dispõe.
Em nosso país também não há nenhum apoio ou incentivo para que as pequenas empresas se unam com a finalidade de exportar em conjunto. Por isso elas respondem por apenas 1% das exportações brasileiras. Na Itália elas são responsáveis por 43% das exportações, isso porque lá existe uma política governamental com esse fim. Na França, para proteger o pequeno comerciante das cidades, as grandes redes de supermercados só podem abrir as suas megalojas nas margens das rodovias e afastadas dos grandes centros urbanos.
No Brasil ainda é raro que compras públicas sejam direcionadas às pequenas empresas, dando-lhes prioridade nas licitações, como foi feito na Inglaterra em relação às contratações para os Jogos Olímpicos de Londres de 2012, onde até as reformas nos estádios foram feitas por pequenas construtoras.
Por que será que nunca nenhum legislador brasileiro pensou em fazer algo parecido por aqui? Certamente, porque suas campanhas eleitorais não receberam recursos de pequenos empresários.
A relação dos maiores apoiadores de campanhas eleitorais deveria ser amplamente conhecida pela sociedade brasileira. Ela está disponível de diversas formas, mas o site da Transparência Brasil é muito completo. Basta entrar em www.transparencia.org.br e clicar em "às claras". Um rápido olhar nesse site nos ajuda a entender o que acontece hoje no Brasil, principalmente do ponto de vista da economia.
Por essa relação dos doadores vamos verificar que é muito pequena a participação das pessoas físicas como apoiadoras das campanhas eleitorais e menor ainda a participação das pequenas empresas. Pequenos empresários não têm a mínima possibilidade de apoiar campanhas eleitorais, pois estão permanentemente correndo o risco de ter de fechar as suas portas. O pequeno empresário brasileiro só consegue pensar na sobrevivência da sua empresa. Dela depende o sustento da sua família.
Constatamos, pois, que quem efetivamente põe dinheiro nas campanhas são sempre empresas muito grandes. Essas doações são nefastas para o País, porque nenhuma empresa faz uma contribuição financeira para alguém sem ter o objetivo de receber dela uma contrapartida e, dessa forma, parlamentares e governantes, quando eleitos, ficam "obrigados" a atender aos pedidos muitas vezes mal-intencionados. Todos sabem como é alto o nível de corrupção no Brasil e certamente a legislação eleitoral, com a permissão de doações por empresas, é uma das principais responsáveis por este estado de coisas.
Essa é a perversidade do nosso sistema eleitoral. E com sua permanência se entende por que nada que retire os privilégios da grande empresa será feito. Não podemos chamar de democracia plena um país onde o poder econômico é que decide as eleições. Em alguns países verdadeiramente democráticos, como Alemanha, Suécia ou Holanda, empresas não podem apoiar campanhas eleitorais, somente as pessoas físicas. Nesses países as campanhas passaram a ser discretas e modestas. E a corrupção reduziu-se drasticamente.
Quando as empresas são livres para contribuir para campanhas eleitorais, é evidente que vai predominar o poderio das maiores. Não existirão também políticas públicas que beneficiem as pequenas porque estas raramente contarão com recursos financeiros para gastar com candidatos.
No Supremo Tribunal ainda faltam votar 7 dos 11 juízes. Se eles mantiverem a mesma posição dos seus 4 colegas que já votaram, estarão dando um enorme passo para que o Brasil possa ter uma economia mais saudável, baseada no fortalecimento da pequena empresa.
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