O GLOBO - 05/03
Não foi por alguma implicância com políticos que a presidente Dilma resolveu vetar na íntegra a lei que volta a relaxar os controles para a criação de municípios. Nem faria sentido, em período eleitoral, a candidata à reeleição criar, por nada, um contencioso com o Legislativo.
O Executivo tomou esta correta decisão devido ao efeito devastador que a lei, caso vigore, causará nas contas públicas, já abaladas pela tendência à gastança em custeio do próprio governo.
Não é sem motivo que o ex-ministro Delfim Netto considera a lei um dos ingredientes da “tempestade perfeita” que poderá se abater sobre a economia brasileira. Delfim teme os efeitos sobre a imagem do país junto aos mercados financeiros globalizados, já danificada por erros do governo, decorrentes da coincidência da derrubada do veto à lei com alguma maior volatilidade causada pela atenuação dos estímulos monetários nos Estados Unidos, além de uma queda grave de confiança na administração econômica de Dilma. Tudo isso, somado à redução na nota de risco do país, dada por agências classificadoras, pode provocar uma acelerada fuga de divisas, logo, uma grande desvalorização cambial, sinônimo de mais inflação e de necessidade de juros ainda mais altos. Na ponta final desse circuito, funda recessão.
É dentro deste contexto que a lei vetada precisa ser analisada. Com a vantagem de que o Brasil tem extensa experiência com a multiplicação impensada de entes federativos, e sabe o peso que representam para os contribuintes facilidades incabíveis, do ponto de vista da boa gestão das contas públicas, na criação de municípios e estados.
Ao ser promulgada a atual Constituição, em 1988, o país contava com 4.180 municípios. Coerente com os ventos liberalizantes da época, a transformação de distritos em cidades dependia, inicialmente, de parecer da assembleia legislativa do estado respectivo. Nada difícil, pois o surgimento de prefeituras (e estados) sempre interessa a caciques políticos regionais, vários deles especialistas em usar o empreguismo e novas verbas para exercitar o clientelismo.
Foi assim que, a partir de 1988, brotaram outras 1.400 prefeituras, até essa “indústria” ser fechada por emenda constitucional, em 1996, que passou para o Congresso a prerrogativa de permitir plebiscitos sobre novos entes federativos.
A lei vetada restabelece o poder de as assembleias deliberarem sobre o tema, a partir de critérios supostamente rígidos. Mas o governo, com razão, não ficou convencido da neutralidade fiscal da legislação. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) alertou, por exemplo, para o fato de as novas prefeituras reduzirem os repasses para as cidades já existentes. Sendo que a grande maioria das 5.700 prefeituras depende do Fundo de Participações para sobreviver. Portanto, criar novas significa aumentar a pressão por aumento dos repasses de estados e da União. Ou seja, mais gastos públicos. O passado mostra que a maioria dessas cidades não consegue arcar com o custo dos incontáveis empregos públicos e de estruturas surgidas do nada, apenas devido à mudança de status do distrito para município.
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