FOLHA DE SP - 01/03
Desde que a devastação haitiana converteu Cuba no 'açucareiro' do mundo, o país foi obra do açúcar
O slogan patenteado até 1940 garantia que em Cuba não havia país sem açúcar. A validade da frase carregava o peso da história. O açúcar foi, durante séculos, a produção que decidia a vida do país e seu destino econômico e até influiu sobre a fisionomia de sua cultura e sua composição étnica.
Desde que a devastação haitiana converteu Cuba no "açucareiro" do mundo, o país foi obra do açúcar, mais que qualquer outro componente político ou econômico. E, se os cubanos se orgulhavam de alguma coisa, era de saberem tudo sobre o açúcar.
A independência nacional foi atrasada devido ao açúcar: havia africanos demais nos canaviais para que se arriscasse a procura de uma emancipação que pudesse replicar o exemplo do Haiti. A prosperidade cubana dependia do açúcar: os mais suntuosos palácios, as estradas, os edifícios públicos e os teatros mais elegantes exalavam o aroma do melado --e o bafo do suor de escravos e braseiros. Em 1970, se projetou o grande salto econômico socialista em cima da realização de uma safra de 10 milhões de toneladas de açúcar.
Mas, em 2002, as crises que foram asfixiando esse setor ao longo de décadas chegaram ao fundo do poço. Diante da decadência da produção, dos baixos preços internacionais e da baixa eficiência industrial decorrente de tecnologias atrasadas e métodos obsoletos, o governo decidiu reduzir pela metade a capacidade industrial instalada. Foi decretado o fechamento e desmonte de centrais, e a ilha ficou como que mutilada.
Em 2010, a ilha do açúcar teve sua pior safra desde o distante ano de 1905. Havia país, sem açúcar, mas também sem riquezas.
Foi quando se manifestaram as trapaças do destino e do mercado: o preço do açúcar subiu, e Cuba teve pouco açúcar para oferecer.
Recentemente, um grupo de empresários brasileiros dedicados à produção de açúcar e outros derivados da cana chegou a Cuba com projetos de cooperação para arrancar do marasmo a indústria que foi o motor da economia da ilha.
A "administração produtiva" de uma fábrica foi entregue à empresa Odebrecht, que vai controlar o ciclo produtivo e modernizar as instalações da central açucareira. Um crédito de US$ 120 milhões do banco de desenvolvimento do Brasil vai contribuir para a empreitada.
Com a ajuda brasileira, Cuba quer aumentar sua produção. Embora para este ano se prevejam menos de 2 milhões de toneladas, deve haver aumentos para o futuro. Com novo maquinário, que Cuba não poderia adquirir com facilidade, os produtores de açúcar cubanos esperam beneficiar-se também com a aquisição do know-how dos sul-americanos, maiores produtores mundiais.
E, se a questão da tecnologia e dos equipamentos se entende, devido ao atraso da infraestrutura cubana, o que chama a atenção é o bendito know-how. O país que não existia sem açúcar terá que reaprender a melhor maneira de produzir esses cristais doces aos quais deve boa parte de sua história e muito da prosperidade que já desfrutou?
Tradução de CLARA ALLAIN
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