FOLHA DE SP - 01/03
RIO DE JANEIRO - Em 1964 ou 65, o trombonista Raul de Souza --hoje, às vésperas dos 80 anos e ainda em grande forma-- era a estrela de uma geração que estava fazendo do samba-jazz brasileiro a melhor música instrumental do mundo. Entre seus colegas havia saxofonistas como Paulo Moura, Aurino e Meirelles, pianistas como Luiz Eça, Sergio Mendes e Tenório Jr., bateristas como Milton Banana, Edison Machado e Dom Um, todos trabalhando na mesma cidade, na mesma noite, quase nos mesmos lugares.
Com esse cacife, Raul podia tirar o Carnaval para descansar. Não que não gostasse de Carnaval --sua formação era a da gafieira, onde os trombonistas também tinham de tocar a todo pano, no maior volume e sem parar, durante horas, ou enquanto o beiço aguentasse. E, certamente, não que não precisasse do dinheiro --no Carnaval, os bailes e festas eram diários e pagavam bem. Mas ele preferia parar por uns dias e relaxar a embocadura exigida por coisas difíceis como "Estamos Aí", "Você e Eu" e "Jor-Du", que tocava no resto do ano.
Assim, quando um amigo o convidou a tocar com ele numa festa de grã-finos em Ipanema no sábado de Carnaval, Raul declinou: "Obrigado, Fulano, mas não estou a fim de Carnaval". O outro insistiu: "Mas que Carnaval, Raul? O cara é seu fã, gosta de jazz e bossa nova, só tem intelectual entre os convidados. E a grana é boa". Raul tentou ser firme: "Não dá. E se, de repente, alguém pede Mamãe Eu Quero'? Não vou, não".
O amigo garantiu que não havia essa possibilidade. Só iam tocar de "Fly Me to the Moon" para cima. E a grana era mesmo boa. Apreensivo e relutante, Raul se deixou convencer. Na noite marcada, pegou seu trombone e foi trabalhar. Nas ruas, só se ouvia "Olha a Cabeleira do Zezé". Subiu ao 20º andar do prédio e tocou a campainha. E quem abriu a porta?
O Rei Momo em pessoa.
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