CORREIO BRAZILIENSE - 22/02
As decisões da Justiça Desportiva que puniram a Portuguesa no Campeonato Brasileiro de Futebol, decretando seu rebaixamento, geraram forte controvérsia jurídica e social. No calor do debate, questão que restou esquecida diz respeito ao atual arranjo institucional da Justiça Desportiva e ao seu possível aperfeiçoamento.
Nesse sentido, a experiência do Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) é interessante ponto de partida. Criado em 1983 pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), o TAS desenvolveu-se enormemente nas últimas décadas e hoje é reconhecido como a corte mundial suprema dos esportes. As estatísticas revelam esse desenvolvimento: enquanto em 2011 foram submetidos 365 casos ao crivo do TAS, até 1991 o número não passava de 15 por ano.
Para alcançar tal desenvolvimento, o TAS precisou superar o principal obstáculo à sua legitimidade como autoridade julgadora: o vínculo umbilical que possuía com o COI. Nos primeiros anos, muitas vozes na comunidade desportiva lhe questionavam a independência, apontando sua suposta subserviência em relação à entidade que o havia criado. Tais acusações lhe minaram por muito tempo a credibilidade, impedindo o pleno desenvolvimento do seu potencial.
O problema somente foi superado em meados da década de 1990, quando o TAS sofreu várias reformulações institucionais voltadas a distanciá-lo do COI: a administração e o financiamento do tribunal foram alterados para garantir maior independência, e a seleção dos árbitros passou a ser realizada de forma mais transparente.
Olhando-se a realidade brasileira, fica evidente o deficit de legitimidade da Justiça Desportiva, perceptível na comoção causada por decisões como as que afetaram a Portuguesa. Acusações de parcialidade, somadas a histórico controverso de julgamentos, consolidaram sentimento generalizado de ceticismo, mesmo naqueles que torcem pelos clubes eventualmente beneficiados por tais decisões.
Nesse quadro, é impossível deixar de perguntar se não é hora de a Justiça Desportiva, em particular aquela afeta ao futebol, passar por processo de reformulação que, assim como o experimentado pelo TAS, confira-lhe maior legitimidade.
Elemento central da reforma seria o aumento na transparência, tanto no que toca à tomada de decisões, quanto à definição da composição institucional. Outra questão relevante diz respeito à alteração dos mecanismos de financiamento, de forma a garantir independência orçamentária para a condução das atividades cotidianas.
Ponto que também merece reflexão é a localização da sede do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) do Futebol. A atual, a cidade do Rio de Janeiro, é também a sede da Confederação Brasileira de Futebol e de vários clubes tradicionais, o que invariavelmente leva a questionamentos quanto à imparcialidade do órgão. A mudança da sede do STJD contribuiria para saudável distanciamento entre o tribunal e alguns dos principais interessados nas decisões. Entre as opções, Brasília desponta como escolha natural.
Nesse sentido, convém relembrar que a mudança da capital federal para o Planalto Central teve como um dos seus fundamentos principais a necessidade de distanciamento de interesses regionalizados e órgãos decisórios de relevância nacional. Os problemas hoje vividos pela justiça desportiva parecem exigir semelhante opção institucional, de forma a permitir a criação de sistema de resolução de disputas mais plural, representativo e equidistante dos interesses envolvidos.
A autonomia da justiça desportiva, consagrada na Constituição de 1988, tem fundamento sólido: a valorização do esporte como subsistema social diferenciado, que exige decisões céleres, especializadas e conectadas com a comunidade desportiva internacional. O seu funcionamento, porém, deve ser orientado pelos ideais de transparência, legitimidade e credibilidade, sem os quais nenhum esporte sobrevive a longo prazo. Diante do ceticismo trazido pelas decisões recentes do STJD, não restam dúvidas: é hora de mudar.
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