REVISTA VEJA
O caso de Dilma é intrigante. O Palácio do Planalto escondeu que, entre os compromissos oficiais na Suíça e em Cuba, a presidente e sua portentosa comitiva fariam escala de algumas horas em Portugal. Quando a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo flagrou a brasileirada em Lisboa, o chanceler Luiz Alberto Figueiredo explicou (ou foi constrangido a explicar) que se tratou de decisão de última hora, tomada no próprio dia da partida. Os mesmos repórteres do Estado apuraram, no entanto, que desde dois dias antes o governo português fora avisado da passagem da presidente brasileira e havia sido feita a reserva no premiado restaurante onde Dilma jantaria. Ao segredo se juntava a mentira, e sobravam duas indagações. Primeira: por que o segredo? Segunda: como foi possível guardá-lo, entre os cinqüenta e tantos membros da comitiva?
Nas tentativas de resposta, tateia-se entre conjeturas. Estaria programada uma grande farra em Portugal, entre um compromisso e outro? Não, Dilma não é disso. Teria a presidente encontro com autoridades portuguesas, ou de terceiro país, para cujo sucesso o sigilo seria vital? Não, não se vislumbra na política externa brasileira item que levasse a tal necessidade. Quereria ela esconder que jantaria no Eleven, restaurante com recomendação do Guia Michelin e soberba vista para o Tejo? Ora, se Dilma e acompanhantes pagaram eles próprios a conta, cada um a sua parte, como a presidente houve por bem esclarecer de viva voz, por que escondê-lo? Ou quereria ocultar que a comitiva ocuparia 45 quartos dos nobres hotéis Ritz e Tivoli? Ora, para a missa inaugural do papa Francisco ela também se fez acompanhar de numerosa comitiva, hospedou-se no hotel Westin Excelsior Roma (que se apresenta como "um ícone da dolce vita"), e não viu razão para ocultá-lo. Por que o faria agora?
Sobraria que a presidente, notória motoqueira nas noites de Brasília, fosse possuída daquele prazer secreto das pequenas transgressões, tanto mais saborosas quando cometidas sob o risco de ser descobertas, mas... Não, não fica bem ao colunista meter-se a intérprete da alma alheia, muito menos da alma presidencial. Voltamos à estaca zero — e nela ficamos, desamparados e impotentes. Quanto a manter o segredo entre tão numerosa comitiva, imagina-se que a informação tenha sido repassada com o máximo cuidado. "Vamos para Portugal, mas não conta para ninguém." "Para Portugal?" "Psiu, fala baixo." Alguns teriam sido informados só já a bordo do avião. "Por que Portugal?" "Não sei, a chefa não explicou." "Onde ficaremos hospedados?" "No Ritz." "Oba!"
No caso do embaixador Guilherme Patriota, por sinal irmão do ex-chanceler Antônio Patriota, que por sinal é seu chefe na missão brasileira junto às Nações Unidas, a justificativa-padrão para o soberbo imóvel alugado pelo Itamaraty para seu usufruto é que os representantes brasileiros se devem apresentar condignamente no exterior. Patriota 2-, segundo apurou a Folha de S.Paulo, tem como vizinhos de bairro Woody Allen, Madonna, Bono e Al Pacino. Que faz o representante de um país remediado, cujo desafio atual é manter-se acima da linha d"água que separa os emergentes dos que submergem, em tal companhia? Em vez do pretendido respeito que o endereço possa inspirar, é mais provável que ocorra o contrário.
Não foi Dilma quem inventou as luxuriantes viagens, acompanhada por portentosas comitivas, umas e outras de fazer inveja a ditadores africanos, nem foi Patriota quem introduziu entre os diplomatas brasileiros o hábito de escolher endereços de pasmar um astro do rock. Isso não os isenta de culpa. Antes a agravam, pelo pecado da reiteração. Poupemo-nos de repisar a cantilena do mau uso dos recursos públicos. Se ao menos eles se tocassem para o ridículo de tais situações... Não se tocam.
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