GAZETA DO POVO - PR - 26/01
O verão é irmão da preguiça, e um verão quente como este que estamos tendo provoca preguiças inimagináveis, dignas de um Dorival Caymmi, o legítimo e indisputado patrono da indolência tropical.
Aproveitei o fim de ano para fazer algumas coisas preguiçosas e prazerosas na leitura e no cinema. Nesses assuntos, também ando com preguiça de inovar: na área técnica, dos livros de administração, por exemplo, há pouquíssima coisa realmente nova e a grande maioria deles confirma a afirmação de Lawrence J. Peter (aquele do Princípio de Peter) de que não são mais do que a transferência de ossos de uma tumba para outra.
Assim, preferi reler Terra Vermelha, o épico paranaense de Domingos Pellegrini, e alguns romances curtos de Evelyn Waugh. O épico de Pellegrini (pois a história moderna paranaense tem todos os ingredientes épicos que lamentavelmente a maioria dos paranaenses desconhece, apesar da luta incessante de Chlorys Casagrande Justen) provoca melancolia por oferecer um contraste entre a história e os personagens da conquista do Norte e a atual aridez de gente, de ideias e de ideais do nosso panorama paranaense. Os textos de Evelyn Waugh são uma delícia de estilo, bons para causar inveja em escribas toscos como este que vos fala.
Do cinema, vi pela enésima vez Pulp Fiction, de Quentin Tarantino; O Vento Será Sua Herança, com Spencer Tracy; Charada, com Cary Grant e Audrey Hepburn; e os italianos daquela época brilhante do pós-guerra: Os Anônimos Habituais (I Soliti Ignoti), de Mario Monicelli, que é uma sátira ao Rififi Chez les Hommes de Jules Dassin e tão brilhante quanto o satirizado; Os Dois Marechais, com Tottò e Vittorio de Sica , em que Tottò aplica uma – uma não, várias humilhantes pernacchias num tenente alemão, uma cena inesquecível; e O Vigilante Rodoviário (Il Vigile), também de Monicelli, com Alberto Sordi, um primor de humor e de crônica sociológica à política italiana. Como sobremesa, Roma, de Fellini.
Pura preguiça, mas com toques de ócio criativo de Domenico de Masi. Porque para experimentar um ataque de preguiça pura, sem ócio criativo, basta ler as manchetes atuais. “Fifa critica lentidão das obras da Copa”, seguida de “Governo contesta Blatter e garante a Copa das Copas”, de “Blatter recua e faz elogios ao Brasil” e de “Ultimato da Fifa a respeito da Arena da Baixada”. Ou então: “Governo cria comitê gestor para gerenciar a crise dos presídios do Maranhão”, “Morre mais um preso em Pedrinhas”, “Roseana atribui crise ao enriquecimento do estado”, enquanto Sarney Filho se congratula com a irmã pelos grandes avanços no PIB maranhense.
A Argentina não falha em contribuir, confirmando a amarga e verdadeira afirmação de um de seus mais brilhantes filhos, o economista Raul Prebisch, fundador da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal): “A Argentina é o único país do mundo subdesenvolvido por decisão própria”. Cristina Kirchner – que, se vivesse no tempo em que os reis tinham qualificativos ao nome como Filipe o Belo, Pedro o Grande ou Elizabeth, a Rainha Virgem, seria conhecida como Cristina a Patética – reapareceu vestida de branco, abandonando o figurino preto que ela usou desde a morte do marido e que lembrava o uniforme do Zorro, e esta foi a única novidade na tragédia portenha.
Ah, que preguiça...
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