O GLOBO - 26/01
Mesmo com a economia em marcha lenta e desonerações, a coleta de impostos bate recorde e cria um paradoxo. Mas só aparente, porque há explicações
O Brasil costuma produzir paradoxos em vários campos, a economia um deles. No ano passado, por exemplo, quando o PIB “andou de lado”, não tendo alcançado um resultado muito além de um crescimento acima dos 2%, a arrecadação federal bateu recordes, com um volume coletado de R$ 1,13 trilhão, um aumento real, descontada a inflação, de 4%, bem acima da evolução projetada da economia.
Em dezembro, a Receita colocou nos cofres do Tesouro R$ 118,3 bilhões, 8,2% a mais que em dezembro do ano anterior, o maior recolhimento de impostos federais da história, nesse mês. Para um analista cartesiano, um assombro. Para não dizer, incoerência. Adicione-se à aparente esquisitice que mesmo não se considerando algumas das receitas extraordinárias de que o governo se beneficiou para trombetear que atingira a meta do superávit primário de 2013 (R$ 75 bilhões), a arrecadação foi animadora para o Planalto e, pior, até mesmo a carga tributária, já nas alturas, subiu — o que parecia impossível.
O economista José Roberto Afonso, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, calcula que ela atingiu os píncaros de 37,5% do PIB. E isso com toda a batelada de desonerações que têm sido concedidas.
Mas, pelo menos em economia, as incongruências têm explicações. E, no caso da avidez pantagruélica com que o Estado brasileiro avança sobre as rendas da sociedade — é uma das maiores cargas de impostos do planeta —, há várias.
Uma delas, segundo José Roberto Afonso, é mesmo o grande e complexo aparato de legislação tributária que faz com que, por exemplo, mesmo quando há desoneração na venda de um produto, a arrecadação sobre ele aumente. Não é mágica. Há tantos impostos incidindo sobre impostos, e cobranças em cascata, que se torna impossível o ressarcimento total do que foi taxado em toda a cadeia produtiva. É o caso da cesta básica, isenta de impostos, mas só no papel. Por esta razão.
Além disso, o aumento de importações tem sido um fator positivo para o Erário. O imposto em portos, aeroportos, fronteiras é mais fácil de cobrar e fiscalizar. E a Receita taxa só uma vez, na entrada do produto, ao contrário de se ele for de origem interna, em que há toda uma cadeia produtiva a fiscalizar e gravar.
Dá-se um daqueles paradoxos conhecidos no Brasil: a economia vai mal, mas a arrecadação tributária vai muito bem. E como carga tributária é a proporção do total arrecadado em relação ao PIB, a carga tributária sobe, mesmo em tempos de economia desaquecida. O próprio crescimento lento do PIB, nas circunstâncias brasileiras, ajuda na elevação do índice da carga de impostos.
Mas o “milagre” não é eterno. Afinal, além do preço pecuniário que a sociedade paga devido ao peso dos impostos, paga-se, também, devido ao desincentivo aos investimentos produtivos e empreendedorismo.
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