O ESTADO DE S. PAULO - 26/01
É como injeção na veia: ao drenar o sangue e espalhar o remédio pelo corpo, o efeito no paciente é imediato. No Brasil o atraso político tem a força da injeção na veia: seu efeito imediato é frear o progresso social e econômico. A diferença é que o remédio busca curar o paciente, o atraso político persegue o oposto: manter a população doente e dominada para garantir privilégios da elite política atrasada.
Tem sido assim desde sempre, nas Regiões Norte e Nordeste do País. Mas essa equação perversa começou a mudar. Gradual e lentamente, é verdade, mas sem recuos, desde o final dos anos 90, quando levar educação para todas as crianças virou política de Estado.
Por isso os resultados da inédita pesquisa de desemprego do IBGE, divulgada há dias, trouxe boas surpresas. Até agora não havia no País números confiáveis sobre desemprego com tal abrangência: mais de 200 mil domicílios em 3.500 municípios (64% do País). A velha Pesquisa Mensal de Emprego (PME) - agora substituída pela trimestral Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad) Contínua -colhia informações em apenas seis regiões metropolitanas, duas delas no Nordeste (Salvador e Recife), nada no interior e zero na Região Norte. Daí a diferença: no mesmo período pesquisado, a taxa de desemprego na PME foi de 6,2% e na Pnad, de 74%.
A Pnad mostra persistência nas desigualdades regionais: na Região Sul só 4,3% das pessoas que trabalham estão desocupadas, enquanto no Norte a taxa sobe para 8,3% e no Nordeste mais que dobra, para 10%. Mas a boa surpresa é que, empiricamente, sem números a comprovar, a percepção que se tinha era pior. A pobreza escancarada no Maranhão, Alagoas e Piauí, as precárias palafitas do Recife e a violência selvagem na Amazônia formam, na imaginação humana, um retrato social muito pior. Espera-se que o IBGE divulgue numa segunda etapa a renda do trabalho (quantos ganham abaixo do salário mínimo?) detalhada por Estados para o retrato ganhar maior nitidez.
A vida do nordestino começou a melhorar na segunda metade da década de 1990 e não foi pela ação da Sudene e Sudam, do dinheiro público para a indústria da seca, dos incentivos fiscais nem dos programas clientelistas do tipo Vale Leite. Esse conjunto institucional funcionou durante décadas e só serviu para engordar o patrimônio das elites políticas. Na base do novo progresso estão, em primeiro lugar, o Plano Real, que tirou a tragédia da inflação da vida dos nordestinos sem dinheiro nem conta bancária para se defender; a prioridade na educação como política de Estado, que expandiu escolas pelo sertão; o programa Bolsa Família, que distribuiu renda para quem nada tinha é a exigir dos pais regularidade na frequência escolar dos filhos; a migração de empresas do Sul e do Sudeste em busca de salários mais baixos; a privatização de telefônicas e distribuidoras elétricas, que trouxe para a região outras empresas; e a abertura de fábricas de grandes multinacionais (Unilever, PepsiCo, Ambev) para explorar o potencial de consumo aberto pela ascensão social da classe pobre.
Criada em 1959 pelo economista paraibano Celso Furtado, a Sudene gerou desenvolvimento para o Nordeste até o golpe militar de 1964, que levou seu criador para o exílio. Aí entraram em cena as elites políticas locais, os coronéis, que mandavam e desmandavam. Com a volta de eleições livres eles foram sumindo, mas há os resistentes que dominam os eleitores pelos meios de comunicação (eles são donos de j ornais, rádios e emissoras de TV) e suas políticas enganadoras e clientelistas. Os mais representativos deles são José Sarney e família, há 56 anos dominando o Maranhão, e o ficha-suja Jader Barbalho, há 44 anos no Pará. A eles não interessa levar progresso econômico, educação ou qualquer outro meio que faça florescer a consciência política na população e os ameace.
Focos de corrupção e roubalheira, a Sudene e a Sudam foram extintas em 2001 e ressuscitadas por Lula em 2003, mas pouco operam. Uma CPI encerrada em 2001 apurou desvios de dinheiro e fraudes de RS 2,2 bilhões só na Sudene. É o retrato do atraso político.
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