O Estado de S.Paulo - 07/12
Decerto os leitores se depararam com imagens da "coisa", nos últimos dias: um pequeno drone de quatro patas, com duas garras laterais que se atracam a uma caixa de plástico amarela. Clack. Clack. Fechado. Lá vai a abelha tecnológica pelos céus de alguma cidade americana, carregando mais um produto vendido pela maior varejista do mundo - a Amazon, faturamento de US$ 61 bilhões em 2012 e expectativa de atingir US$ 100 bilhões em poucos anos. Dentro da caixa de plástico, um secador de cabelos. Ou uma ferramenta. Um CD. Um livro. Um tênis para corrida. Nada que supere 2 kg de peso para não comprometer a musculatura do mensageiro, doravante tratado como Amazon Prime Air. Assim Jeff Bezos exibiu dias atrás o astro do seu novo serviço de entregas, o Drone Delivery System. Tinha um sorriso esperto no rosto quando vaticinou: "Vai ser divertido...".
Sem dúvida. Especialmente se a "coisa", hoje em protótipo, não aterrissar na sua ou na minha cabeça, com a última temporada de Downtown Abbey. O que foi isso na sua orelha? Nada não, rasante de drone. Olha lá, é um pássaro? Um avião? O Super-Homem? Não, é o drone da Amazon, boba... Falta saber o que fará o entregador high-tech quando der de cara com uma árvore frondosa, já em procedimento de pouso. Sairá cortando fios de alta tensão para pousar na floreira em que jogará o DVD com os finalistas do The Voice? Parece maluquice, mas Bezos pressiona um bocado a administração Obama para aprovar protocolos novos (leia-se: mais flexíveis) sobre o uso de aeronaves não-tripuladas na logística do comércio. Algo esperado para acontecer em 2015, quando então o empresário já terá sua frota distribuída em uma centena de mega depósitos. As engenhocas voadoras vão fazer entregas leves (86% dos produtos despachados pela Amazon têm até 2 kg de peso), a no máximo 16 km de distância do depósito. E é só o começo. Se tem uma coisa que drone faz é voar longe.
Os VANTs, Veículos Aéreos Não-Tripulados, revolucionaram a aviação militar e hoje deflagram uma nova corrida armamentista no planeta, garante o jornalista americano John Horgan, autor de The End of Science. São mais de 50 países com tecnologia para desenvolver seus próprios modelos (inclusive o Brasil), drones que tanto podem decolar de um aeroporto militar em Ohio, quanto de uma base secreta mantida pelo Hezbollah no Líbano. Portanto, é preciso um bocado de discernimento ao comparar a letalidade de um Reaper, que leva quatro mísseis e duas bombas em suas patas, à simpatia de um octocopter da Amazon, carregando um inalador para alguém gripado, numa noite de inverno. Ok, tudo é drone. Mas o mundo do consumo parece fazer uma espécie de conversão religiosa dessas máquinas mortíferas em entregadores legais, que nunca folgam.
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Só que, no princípio, era a guerra. Há um artigo poderoso na GQ de outubro contando o dia a dia de uma base de VANTs no deserto de Nevada, atuando remotamente no Afeganistão. Sentados lado a lado numa sala escura, por sua vez dentro de um bunker sem janelas, piloto e controlador de drones seguem ordens militares. Diante de uma parede com telas de computador, operam os olhos, as asas e as armas do Predator (antecessor do Reaper). É videogame puro, assegura o "piloto" Brandon Bryant, 6 anos de contrato com a Força Aérea americana, 6 mil horas de voo. Sua primeira pergunta para a base ao entrar na sala, em mais um dia de trabalho, é: "What motherfucker's gonna die today?". Quem vai ser a vítima do dia? Já despachou para o além 1.600 desses filhos de boa mãe.
Hoje o desafio da indústria bélica é miniaturizar drones. Terrível. Micro Air Vehicles (MAVs) foram colocados em teste pela Força Aérea americana. Têm a forma de pássaros e mariposas. Driblam câmeras de segurança. Detectam a presença de armas químicas e biológicas. São indicados para vigilância em áreas urbanas. Dispõem de pontaria de alta precisão. Nessa indústria incrivelmente florescente, existem até empresas que se especializam no desenvolvimento de programas para drones caçadores de drones. Porque a guerra entre eles não tardará.
Então, como assimilar a ideia de que essas máquinas, redimidas pelo consumismo (sem perder suas patentes militares, claro), vão fazer parte do nosso cotidiano, aportando em nossas janelas com caixas de bombons, livros, eletrônicos e muito mais? Seria o drone delivery apenas uma excentricidade americana?
Vejamos. Existem aviões não tripulados operando missões civis. Em sítios arqueológicos, por exemplo. Nada mais eficiente do que filmar, de um VANT, tesouros milenares expostos à ação do tempo. Tem sido assim em San José de Moro, no Peru, zona das ruínas moche. Mas a moda deve pegar é no mundo das entregas ultra rápidas, para consumidores cada vez mais ansiosos e/ou neurotizados. O queijo da sua pizza chegará mais quentinho nas asas de um besouro acionado por GPS do que na garupa de um motoqueiro estressado e mal pago? Se a sua mulher grávida delirar de desejo por sorvete de macadâmia com pistache e frutas do bosque, no meio da noite, você chama o drone? Essa compulsão é justamente algo com que Bezos quer contar, como mostra Brad Stone, autor da recém-lançada biografia do todo-poderoso da Amazon. O título do livro ficou perfeito: The Everything Store ( A Loja de Tudo).
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Bezos é um tipo curioso. Com seu império tentacular, talvez precise de uns brinquedinhos para diluir o peso de tanto faturamento. Já ganhou o apoio de Bill Gates para o Amazon Prime Air. O dono da Microsoft foi cauteloso, mas endossou: se o drone delivery der certo, vai usá-lo para distribuição de remédios em áreas de difícil acesso do planeta (coisa que a Melina and Bill Gates Foudation já vem fazendo, exemplarmente, com bípedes andantes). E o mesmo Bezos que se diverte com drones, admite curtir jornais. Comprou pela bagatela de US$ 250 milhões o respeitável Washington Post. Na primeira reunião a portas fechadas com editores, sentenciou: deve ser rigorosamente tão simples fazer uma assinatura do Post quanto comprar um pacote de fraldas na Amazon. Eis o estilo gerencial do homem. Se jornais serão entregues por drones? Para não perder consumidores fiéis à edição em papel, por que não? Acima de tudo, o que importa para Bezos é vender.
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