Estado de S.Paulo - 18/11
Uma das características da democracia é que ela dá espaço para visões diferentes do presente e do futuro, e de alguma forma essas visões acabam se transformando em políticas públicas que orientam a ação do Estado. Pode parecer um sistema caótico e complicado de conduzir um país, mas revelou-se, ao longo dos anos, o mais racional e claramente superior aos regimes autoritários.
Aprendemos isso com os gregos, que iniciaram essa forma de governar há 2.500 anos. Numa democracia há sempre espaço para a correção de rumos. Num regime ditatorial isso é muito mais difícil e, por isso, eles frequentemente acabam em guerras, revoluções e muito sofrimento.
Democracia, contudo, não significa ausência de liderança. E não são poucos os cínicos que acreditam que o sucesso da democracia grega se tenha devido mais à liderança de Péricles do que aos infindáveis debates em praça pública em Atenas.
No Brasil vivemos numa democracia há quase 30 anos, durante os quais surgiram líderes que contribuíram para consolidá-la por meio da Constituição de 1988, da estabilização da economia, da responsabilidade fiscal e dos progressos nas áreas de telecomunicações e saúde, graças ao surgimento de lideranças excepcionais. Infelizmente, o mesmo não ocorreu num setor fundamental para o desenvolvimento econômico e social, que é a área de energia.
Nessa área, o que temos visto é a adoção de políticas setoriais que se movem mais ou menos ao acaso sob a pressão de lobbies poderosos, sem uma política coerente e unificadora. É por esse motivo que vivemos sobressaltados com a iminência da falta de energia elétrica ou de importações de petróleo.
Grandes linhas de ação foram estabelecidas nos setores de eletricidade e de petróleo mais de 50 anos atrás. Tanto a Eletrobrás quanto algumas empresas estaduais - como a Companhia Energética de São Paulo (Cesp) e a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) - adotaram na ocasião um roteiro claro, fixado por critérios técnicos que levaram à construção de usinas e linhas de transmissão que abastecem quase todo o País.
A missão era desenvolver a infraestrutura do setor elétrico, tal como ocorre quando o governo constrói uma grande estrada como a Rodovia Presidente Dutra: uma vez construída, a manutenção da pista, a cobrança de pedágio, os postos de abastecimento, os restaurantes e outros serviços podem e devem ser de responsabilidade do setor privado. A privatização do setor elétrico no governo de Fernando Henrique Cardoso foi apenas parcial. Muitas das empresas estaduais dos Estados do Norte e do Nordeste são apenas distribuidoras e se tornaram cabides de empregos de políticos locais, sem viabilidade econômica.
Grande parte das geradoras de energia elétrica permaneceu como empresa estatal e o atual governo federal reconhece que o modelo se esgotou, porque adotou o sistema de leilões para novos empreendimentos. Além disso, tornou inviáveis essas mesmas estatais adotando medidas demagógicas de baixar as tarifas, fazendo-as perder a sua capacidade de fazer novos investimentos.
O mesmo ocorreu no caso do petróleo, em que a Petrobrás teve um papel pioneiro ao desenvolver tecnologia e produzir o óleo no mar. Sucede que a empresa cresceu tanto que se tornou difícil manter seu ritmo de produção e expansão, apesar de todo o entusiasmo nacionalista em torno de suas atividades. A forte queda no valor de suas ações é a melhor demonstração de que o atual modelo de operação é inviável.
Nada mais natural, portanto, do que atrair empresas estrangeiras com capital e experiência para se juntarem à Petrobrás na expansão de suas atividades. É o que está sendo feito agora, depois de anos de inação. Mas o fato de haver poucas empresas interessadas em se juntar à Petrobrás, como se viu no recente leilão do campo de Libra do pré-sal, é inquietante.
É o próprio governo que está contribuindo para que isso ocorra, "administrando" os preços dos combustíveis, que estão cerca de 15% a 25% abaixo dos preços no mercado internacional, sangrando os cofres da Petrobrás. Uma das consequências perversas dessa situação é a queda acentuada dos investimentos na produção de etanol, o mais inovador dos programas de energia renovável existentes no mundo, graças à clareza de visão do governo de Ernesto Geisel.
Aqui, diferentemente dos casos da Eletrobrás e da Petrobrás, o governo não criou estatais para produzir etanol, mas mecanismos que encorajaram os usineiros de açúcar de cana a produzir esse álcool combustível, setor que teve um grande sucesso até recentemente, com expansão anual da produção de quase 10%. Ao "congelar" os preços dos derivados de petróleo em 2007, o governo tornou inviável a expansão do sistema de produção, uma vez que o restante da economia brasileira acompanhou os reajustes dos preços do petróleo e, com isso, os insumos utilizados na indústria do álcool.
O que o governo está fazendo com o Programa do Álcool é apenas uma parte da ausência de visão clara do setor de energia, apesar - ou talvez por isso mesmo - da atual presidente da República ter sido ministra de Energia por vários anos.
Acontece que a área de energia no mundo está passando por uma revolução que indica que a matriz energética mundial em 2030 será muito diferente da atual. Energias renováveis são a "onda do futuro" e o gás vai representar a principal fonte de energia no período de transição. Entre as energias renováveis as principais são a hidrelétrica, que não pode ser abandonada, a de biomassa, a dos ventos e a solar direta, para produção de calor e eletricidade. Em todas elas o Brasil tem vantagens comparativas e elas precisariam tornar-se o eixo central das políticas do governo.
Está faltando, claramente, uma liderança no setor energético como já tivemos no passado.
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