O Estado de S.Paulo - 18/11
Para tentar melhorar os resultados fiscais sem cortar o que precisa ser cortado do lado das grandes despesas de custeio, que continuam a crescer, o governo vem antecipando receitas, até mesmo por meio da concessão de generosos descontos de multas e juros sobre tributos vencidos, desde que parte do valor devido seja recolhida imediatamente. Quando decide cortar gastos, o faz de maneira que ameaça a eficácia da atuação de órgãos vitais da administração pública, como a Receita Federal. É uma política que, no curtíssimo prazo, pode até ajudar a melhorar o superávit primário, necessário para cobrir os custos da dívida pública, mas compromete a arrecadação futura.
Há pouco, contrariando seguidos pareceres técnicos da Receita, o governo aceitou a ampliação do prazo para que contribuintes em atraso pudessem aderir ao chamado Refis da Crise - um programa de renegociação de débitos tributários criado em 2009 - e a extensão dos benefícios para bancos, seguradoras e multinacionais. Com isso, esperava uma arrecadação adicional de R$ 7 bilhões a R$ 12 bilhões ainda este ano, dinheiro que o ajudaria a alcançar a meta de superávit primário.
A baixa adesão ao programa, porém, levou o governo a melhorar as condições para bancos e multinacionais brasileiras aderirem ao programa. Para os bancos, o desconto das multas, dos juros e dos encargos será total, e não mais escalonado, e o número máximo de prestações para as multinacionais passou de 120 para 180.
Ao mesmo tempo que facilita as condições para a quitação de débitos vencidos ou questionados na Justiça, o governo vem impondo à Receita restrições orçamentárias que a obrigam a suspender operações de fiscalização, o que acabará prejudicando a arrecadação. Como mostrou reportagem do Estado (10/11), operações de repressão ao contrabando e à pirataria foram canceladas e programas de modernização da arrecadação estão sendo contidos ou suspensos por falta de dinheiro.
Programas na área de informática, como a transferência de dados da Previdência para a Receita - que desde 2004 responde também pela cobrança das contribuições previdenciárias -, estão atrasados. Isso pode resultar na prescrição de dívidas com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que, em 2014, podem chegar a R$ 12 bilhões, se nada mudar.
Operações anunciadas como essenciais para a modernização do sistema portuário, como o Porto 24 Horas - criado no início do ano para permitir que as equipes de fiscalização de diferentes órgãos federais atuem ininterruptamente para liberar cargas, embarcações e veículos -, estão ameaçadas.
O corte de verbas põe em risco até o processo de manutenção e aperfeiçoamento do programa de Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física, que nos últimos anos vem facilitando a vida dos contribuintes. São programas que necessitam de constante atualização, não apenas para beneficiar os contribuintes, mas também para permitir que a Receita faça com rapidez os cruzamentos de dados que permitem detectar irregularidades.
Programas como o de unificação de dados de contribuições para o INSS, para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e outros, que permitiriam a substituição da atual carteira de trabalho por um cartão magnético, e de melhoria dos sistemas de fiscalização e controle aduaneiro igualmente podem atrasar.
Se, no curto prazo, consegue alguma redução de gastos com medidas desse tipo, o Tesouro será o grande prejudicado caso, por deficiência tecnológica ou por obsolescência dos programas de cobrança e fiscalização da Receita, a arrecadação caia ou não cresça na velocidade compatível com o crescimento da economia. É uma política de cortes nociva para o próprio setor público.
Essa política já afeta outras áreas sensíveis da administração federal, como o grupo móvel de combate ao trabalho escravo, a atuação das agências reguladoras - como a Comissão de Valores Mobiliários, que fiscaliza o mercado acionário - e as ações de combate ao desmatamento. Ainda assim, o governo Dilma apresenta resultados fiscais cada vez piores.
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