FOLHA DE SP - 21/09
SÃO PAULO - Como sempre acontece, a utilização da Lei Rouanet para financiar eventos que "soam errado", como um desfile de moda em Paris e o Rock in Rio, desperta polêmica. Não tenho nada contra esse tipo de debate, mas acho que está faltando um anterior, sobre nossos mecanismos de incentivo à cultura.
Não sou daqueles liberais ultraortodoxos que têm vontade de sacar o revólver à simples menção de financiamentos públicos para a cultura. Se queremos preservar a música erudita ou ter mais produções de baixa viabilidade comercial, não há alternativa que não destinar dinheiro de impostos a essas atividades. Poderíamos optar por fechar as orquestras sinfônicas e acabar com o apoio oficial ao teatro e ao cinema. Talvez até fosse a coisa racional a fazer, mas tenho a impressão de que o resultado líquido seria um país um pouco pior.
Reconhecer a necessidade de subsídios não implica aceitar que nossos métodos para distribuí-los sejam decentes. É verdade que a Lei Rouanet pode ser apresentada como uma forma de incentivo à cultura. Mas, dado que em muitas situações quem a utiliza pode abater 100% do que "investiu" do imposto de renda devido pela empresa, ela também pode ser descrita como um mecanismo pelo qual a sociedade subsidia a publicidade de firmas e ainda transfere a seus diretores o direito de escolher quais espetáculos serão beneficiados. Num resumo cru, a legislação permite ao empresário fazer propaganda de graça e ainda definir quem vai faturar uma graninha oficial.
A forma óbvia de reduzir essa distorção é acabar com os abatimentos de 100% e exigir que o patrocinador coloque ao menos 50% de dinheiro próprio. Não é uma solução sem problemas, já que a tendência seria reduzir os repasses e canalizá-los para produções de maior visibilidade, que são as mais comerciais --e isso vai contra o espírito original da lei. Mas talvez seja impossível ficar com a omelete e os ovos ao mesmo tempo.
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