O GLOBO - 09/09
O processo acanhado de redemocratização que vivemos no Brasil há alguns anos, que tem como marco legal a Constituição Federal de 1988, caracteriza-se pela criação de uma ampla gama de expectativas de superação de privações sociais e econômicas legadas por recorrentes períodos de escassez de espaço de negociações políticas transparentes.
Embora essas expectativas venham, bem aos poucos, se materializando, aparentemente ganharam doses extras de energia com as manifestações de junho. Tomados de surpresa por esse despertar democrático tardio, gestores e legisladores do setor público reagem, envergando, agora, a vara para o populismo, em uma tentativa de se distanciar da ponta oposta de inércia e indiferença em que se instalaram há tempos.
Na área de educação, o máximo que conseguimos especificar até agora foi um certo padrão Fifa que ninguém sabe como traduzir em política pública. A dificuldade em objetivar o que desejamos para a educação tem raízes no próprio processo de redemocratização, porque em sua trilha vieram dois dogmas: o da descentralização da gestão dos serviços públicos e o da autonomia irrestrita a todos os seus níveis de comando - prefeitos, diretores de escola e professores são donos de seu nariz.
Se não fosse a criação intencional de uma cultura de avaliação externa iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso/Paulo Renato, expandida e aprofundada por Lula/Fernando Haddad, estaríamos hoje completamente no escuro quanto ao que se passa em nossas escolas. A avaliação externa, hoje, é a única forma que temos de saber, mesmo que de maneira incompleta, no que resultam os recursos humanos e materiais investidos em educação.
E é a única porque até hoje não tivemos coragem de estabelecer padrões de infraestrutura escolar, de acervo e acesso a bibliotecas escolares, do número de alunos por turma, do perfil profissional e pessoal da equipe escolar e, finalmente, dos itens de currículo a serem ensinados tanto aos alunos do Leblon, Zona Sul do Rio, quanto em Melgaço, no estado do Maranhão.
Graças à autonomia de alguns prefeitos, começam a surgir estruturas locais com padrões de qualidade mais exigentes que os de seus governadores e, principalmente, que os do próprio Ministério da Educação. Aos poucos, algumas redes escolhem currículo, o traduzem em material de aulas estruturado, o refletem na formação e avaliação de professores e alunos. Finalmente começam a pipocar ciclos de qualidade educacional em nosso país, mesmo que esporádicos.
Nesse contexto de incipiência e fragilidade, a reação precipitada ao que se pede de forma inespecífica na rua pode representar uma ameaça àquilo que, mesmo sem conseguir verbalizar por absoluta falta de referências, desejamos: o alinhamento dos padrões conceituais e operacionais de qualidade do Brasil com os dos países desenvolvidos. Justamente o tal padrão Fifa que saímos de nossas casas para exigir.
Neste tempo de sonhos democráticos é preciso deixar claro que o que queremos é a excelência, com equidade.
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