O GLOBO - 27/09
A possível democracia brasileira está experimentando, precocemente, uma situação de falência múltipla dos seus órgãos. Até onde isto pode chegar, não sabemos.
Sabemos que sobre o Legislativo e o Executivo já pesava uma insatisfação olímpica. Agora a eles se junta o Judiciário, em sua maioria constituído de bolsistas togados.
Ainda preferimos supor que, onde se denuncia a má-fé, predomina o despreparo intelectual. De há muito a ideia de consciência individual, trancada dentro de suas paredes claustrofobas, passou a ser um arcaísmo, ou tão somente uma relíquia tombada. Este consciencialismo predatório expõe à visitação pública o injustificável anacronismo hermenêutico, permitindo que a tecnicidade ociosa, carente de socialibilidade, farta de burocratização, contamine a instância judiciária. Com o que desmente um velho ditado. Hoje a justiça tarda, e falha.
A enfadonha retórica dos tribunais é altamente dissociativa. Devemos, cada vez mais, desconfiar dos profissionais da última palavra. A norma não pode subordinar-se à agenda do poder. Caso contrário, a sua legitimidade ficará comprometida. O mesmo acontece quando cede à pressão ideológica. Como vem acontecendo com o superior estatuto do asilo político. A claustrofobia impede a ciência jurídica de respirar. Ignorando que ela não é uma abstração, dissociada da vida do mundo.
Mas, porque não estamos no "fim da história" como propalam alguns pessimistas, cabe-nos recomeçar, propositivamente, longe da queima de arquivos e do acerto de contas.À consciência solitária, individualista, fechada no seu palácio de espelhos, convém abrir mão do seu lugar decrépito em favor da consciência dialógica, compartilhada, comunicativa.
E em franco dissídio contra qualquer tipo ou forma de violência. Lembrando que a corrupção é a mais grave de todas as violências, porque silenciosamente coletiva.
Inexiste o "eu" sem o "outro" a identidade sem a alteridade.
A democracia de qualidade, ou seja de educação e cultura, ameaçada pela falência múltipla dos seus órgãos, caminha a passos largos para o Estado de exceção.
O processo de seleção, nomeação e promoção, nesses níveis supremos, exige uma modificação substancial, visando à legitimidade e à qualificação rigorosas desses desempenhos.
O Brasil necessita da sempre protelada reforma política. Não é menos urgente a Reforma do Judiciário.
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