A semana terá dois momentos quentes. Hoje, a queda de braço entre Executivo e Legislativo em torno de vetos da presidente Dilma Rousseff a leis aprovadas pelo Congresso. Amanhã, a sequência do confronto entre o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, e o ministro Ricardo Lewandowski, na retomada do julgamento de recursos dos réus da Ação Penal 470, vulgo mensalão. Apreensivos, outros ministros da Corte acreditam que Lewandowski pedirá ao plenário que lhe garanta o direito de votar livremente. Atendendo-o, deixariam o presidente isolado, algo bastante anormal na história do Supremo.
Mas comecemos pelo incêndio do dia, a ameaça de derrubada de vetos de Dilma. Consumada, representará uma derrota de alto significado político e também econômico: boa parte dos vetos foram a "bondades" do Legislativo que geram despesas ou afetam a iniciativa econômica do governo. Ontem pela manhã, ela adotou um tom mais ameno, agradeceu ao Congresso pela aprovação da lei dos royalties do petróleo e, reconhecendo-lhe a autonomia, falou em "mediação" no caso dos vetos. À tarde, encontrou-se com o presidente do Senado, Renan Calheiros, o dono da pauta. A postura conciliadora, entretanto, não apaga o movimento anterior que irritou o Congresso: a ameaça de recorrer ao STF contestando a derrubada de vetos a matérias sensíveis para o governo.
Uma delas, a nova regra de distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados, o FPE. Não há quem duvide, no Congresso, de que será derrubado o artigo que proíbe o governo de fazer desonerações valendo-se da parcela de impostos compartilhados destinada aos estados. Eles perderam muito dinheiro com as desonerações que o governo fez para estimular o consumo e evitar maior resfriamento da atividade econômica. Se o Executivo acha que o artigo vetado é inconstitucional, os juristas do Congresso acham o contrário: que lançando mão de recursos de estados e municípios o governo viola a Federação. Nesse caso, está difícil uma "mediação", mas a judicialização, sem dúvida, será o pior dos mundos. Algo também anormal e sem precedentes.
Ponto de honra para o governo é manter o veto à supressão da multa de 10% sobre o valor do FGTS nas demissões imotivadas. Ontem, no maior centro operário do país, em São Bernardo do Campo (SP), Dilma disse que não aceitava a retirada de direitos trabalhistas. Essa multa, entretanto, não vai para o bolso dos trabalhadores, mas para o capital geral do fundo, e sua eliminação privaria o governo de R$ 3 bilhões anuais no financiamento de moradias. Aqui, um acordo é difícil. O projeto original vetado nasceu no Congresso por pressão de empresários irritados com essa contribuição, que já deveria ter cessado. Os congressistas vão precisar deles no ano que vem para financiar campanhas.
Outra fonte de conflito, os mais de 60 vetos à lei derivada da MP 610, que Renan incluiu na pauta, apesar de acordo em sentido contrário firmado por Dilma com os líderes. A medida, que tratava do seguro-safra para agricultores, recebeu dezenas de emendas de congressistas, concedendo favores que vão da hereditariedade para placas de táxi a incentivos fiscais para diferentes setores. Tais bondades também têm motivação eleitoral, o que explica a grita para mantê-las.
Quando a negociação fracassa, governos só evitam derrotas parlamentares com duas atitudes: garantindo os votos da base ou retirando-a do plenário para obstruir a votação. Embora Dilma venha agradando os líderes com a postura mais "soft", o grosso dos congressistas não se comoveu. Nesses três casos, estão pensando na sobrevivência. Nas bases eleitorais da base.
Excelências perplexas
Perplexidade, constrangimento, desconforto. Esse foi o sentimento deixado nos outros 10 ministros do STF, garante um deles, pelo incidente de quinta-feira passada, quando o presidente Joaquim Barbosa acusou o ministro Lewandowski de estar fazendo chicana ao apresentar seu voto. O que vai acontecer amanhã ninguém sabe ao certo, mas é forte a expectativa de que Lewandowski recorra ao plenário para garantir o direito à livre apresentação do voto, desqualificado pelo presidente da Corte na semana passada como chicana. Se isso ocorrer, ficarão todos numa saia justa. Nunca, nos tempos recentes, o plenário foi chamado a solidarizar-se com um dos pares contra o presidente. Os demais ministros, nesse incidente, emitiram nota dizendo que o presidente continuava desfrutando do respeito de todos. Uma forma muito branda de censura e muito oblíqua de solidariedade. Mas agora, diz um dos ministros, estarão fazendo o contrário se atenderam ao eventual pedido de respaldo de Lewandowski. Estarão isolando o presidente.
A perplexidade de alguns ministros aumentou no fim de semana ao lerem, na revista Veja, o diálogo que os dois brigões teriam tido no salão de café, após o abrupto encerramento da sessão. Alguns saíram, outros ficaram no plenário. Segundo a revista, eles trocaram desaforos e terminaram com Joaquim dizendo que Lewandowski não ficaria lendo recortes de jornais na sessão para atrasar os trabalhos. "Está para nascer homem que mande no que devo fazer. O senhor acha que tenho voto de moleque?", teria dito o revisor. "Acho sim, senhor", teria dito Joaquim Barbosa, levando o outro a arrematar que, se não fosse pelo respeito à Casa, "tomaria outra atitude". Ou seja, iria às vias de fato.
O Supremo não é o Congresso, onde a turma do deixa disso entra em campo sempre que o fogo sobe. Lá, como diz a lenda, cada ministro é uma ilha. Por isso o papel do presidente é tão importante, devendo ele ser, como diz e repete o ministro Marco Aurélio, "o algodão entre os cristais delicados para evitar trincaduras". Um papel que não combina com Joaquim.
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