O GLOBO - 05/08
Há muito não se vê uma mobilização de uma categoria profissional como a dos médicos. Ações foram impetradas na Justiça e, na semana passada, houve paralisações em 16 estados.
O alvo da categoria é duplo: o programa Mais Médicos e vetos feitos pela presidente Dilma na lei recém-aprovada que regula os atos dos profissionais de saúde. Outros segmentos nesta atividade (enfermeiros, por exemplo) se insurgiram contra o que consideraram um avanço dos médicos sobre suas áreas e conseguiram os vetos do Planalto.
Há nas duas frentes da luta travada por sindicatos e entidades representativas dos médicos interesses claramente corporativos. Nada de mal nisso, contanto que não se descuide dos interesses públicos mais amplos.
A insurreição contra o Mais Médicos é típica de situações em que é preciso muito cuidado para, na linguagem dos teóricos de administração, não se deixar o “cliente” em plano inferior. No caso, a população de renda mais baixa, aquela que depende do SUS. Ou seja, a maioria dos mais de 190 milhões de brasileiros.
À primeira menção de alguém do governo sobre a possibilidade de médicos estrangeiros serem atraídos para trabalhar no grande número de cidades desassistidas no interior e periferias de cidades, houve uma reação instantânea contrária.
Entende-se que existisse o temor de que alguém em Brasília quisesse copiar o modelo da aliada Venezuela e entulhar favelas e vilarejos de médicos generalistas cubanos, de formação não testada. Neste sentido, foi positivo o primeiro grito de alerta.
Houvesse ou não este plano, a oposição se manteve mesmo quando a “invasão” cubana foi afastada. Também pouco adiantou a apresentação de estatísticas, até agora não desmentidas, que mostram um índice muito baixo de médicos por habitantes no Brasil, indicador irrefutável da falta física de profissionais.
Há mesmo o fenômeno da concentração de profissionais nos grandes centros. Como ocorre com engenheiros, economistas, jornalistas, carpinteiros, etc. Nada a estranhar. Mas, mostram os números, mesmo que os médicos fossem redistribuídos, não seriam suficientes para atender à demanda.
Um dado: na primeira rodada do programa de recrutamento do Mais Médicos, 3.511 prefeituras, das 5.500 existentes, pediram 15.460 profissionais. Só 4.567 médicos se alistaram, dado que precisa ser levado em conta pelo governo. Estrangeiros, estima-se 1.800.
O essencial em toda esta polêmica é que o Mais Médico pode precisar de ajuste, mas é uma tentativa de melhorar o quadro de efetivo abandono que há na saúde pública destinada ao pobre do interior e periferias. Qualquer avanço que se fizer nesta área será um ganho. Claro que isso não justifica equívocos. Mas interesses corporativistas também precisam ser deixados de lado quando a saúde pública está em jogo.
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