FOLHA DE SP - 31/08
A sentença também pode fazer a lei, consolidando a interpretação e sua aplicação em casos semelhantes
Os paradoxos da vida diária se repetem. Exemplos: um parlamentar federal é condenado por crime grave, é preso para o cumprimento da pena e seus colegas (alguns talvez em causa própria) não lhe tiram o mandato. No atual debate do STF, a respeito do "mensalão", o calor das discussões e irritação de seus personagens desperta mais atenção que os fatos lamentáveis que lhes deram origem. O mesmo se diga do boliviano que, numa escapada veio para o Brasil, em fuga que parece rocambolesca, sem o ser.
Na tripartição dos poderes, a base da atividade judicial consiste em examinar fatos e dar razão a quem a tenha. Justifica a volta da velha pergunta: o juiz faz a lei? Ou apenas a aplica?
Nos países da lei escrita (caso do Brasil) o magistrado aplica a lei, da Constituição para baixo. Em outras nações, não é assim.
Nos Estados Unidos, por exemplo, há Estados que se guiam predominantemente pela chamada "common law", em que a fundamentação básica dos julgamentos parte do exame de decisões anteriores dos tribunais, rumo que se repete em vários países de formação anglo-saxônica. Baseado, portanto em precedentes judiciais, para resolver um caso novo.
Desde o começo do século passado, os dois sistemas trocaram informações e experiências. Houve lenta combinação dos elementos essenciais. Entre nós, a evolução trouxe soluções indo mais além do puro texto legal. Vale a pena pensar no assunto.
Hoje é possível dizer que, nos dois tipos, a vida sugere que o juiz também faz a lei, neste mundo em transformação. Assim será pelo fato de que a lei escrita, base de nosso direito, não acompanha a mutante realidade socioeconômica. Desatualiza-se rapidamente. Na faixa anglo-saxônica a invocação de velhos julgados foi superada quando atacados pela adesão crescente na lei escrita. A transição é confusa neste mundo conturbado.
Fixemos nossa atenção no Brasil: os quase trezentos artigos, do corpo principal da Carta Magna, trazem a essência das regras de cumprimento obrigatório neste país (arts. 1º e 5º). Cresceu muito o número de leis escritas, mas com as constantes e complexas mudanças da vida, o texto original da lei é de curta duração, bastando pensar nas dezenas de emendas da Constituição.
O paradigma legal reclama atenção permanente acelerada para sua atualização, o que também explica a proximidade das soluções nos dois sistemas legais.
Temos evoluído para uma solução mista. No Brasil o espaço vazio da lei é preenchido, nos cinco primeiros artigos da Constituição, por preceitos gerais denominados "fundamentos", orientando a interpretação da normatividade inferior.
É o caso de soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e mesmo o pluralismo político. De igual modo se diga dos objetivos fundamentais da República de definição constitucional, em casos de regência imperativa (arts. 3º e 4º).
Dão ordem à resposta da pergunta inicial: a sentença quando não caiba mais recurso, também faz a lei, consolidando a interpretação e sua aplicação em casos semelhantes. Os arts. 102, parágrafos 1ª (preceito fundamental) a 3ª (repercussão geral), 103-A (súmula com efeito vinculante), da Constituição são exemplos da compreensão ampliada.
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