O GLOBO - 31/08
Não podemos nos iludir: a turbulência vai continuar
Escrevo outra vez da Rússia, onde estou para reuniões dos Brics e do G-20. Um dos grandes temas nesses encontros, talvez o maior, será a instabilidade nos mercados financeiros, com efeitos particularmente intensos em economias emergentes como a do Brasil.
Há muito tempo os emergentes não sentiam turbulência tão forte e generalizada. Os últimos anos vinham sendo gloriosos para essas economias, notadamente para os Brics. Mas em 2013 o quadro virou, particularmente depois que o Federal Reserve — o banco central dos EUA — sinalizou que pretende normalizar sua política monetária, desativando gradualmente as medidas ultraexpansivas que adotou desde 2008.
Parece a repetição de um ciclo conhecido em que a alternância de fases de expansão e contração da liquidez internacional e dos mercados financeiros mundiais gera efeitos ampliados nas economias emergentes, em especial naquelas que se deixam seduzir nos períodos de dinheiro farto e juro barato. Em 2013, foram novamente as economias mais vulneráveis, com déficits maiores, que logo sentiram o golpe.
Seriam os emergentes a “bola da vez”? É a pergunta que muitos fazem, não sem um toque de “Schadenfreude”, de discreta (ou nem tanto) satisfação de ver a crise se deslocar para o mundo em desenvolvimento, de onde — insinua-se — nunca deveria ter saído. A instabilidade servirá ao menos para colocar esses arrivistas no seu devido lugar — essa é a mensagem subjacente a diversos comentários sobre a conjuntura na imprensa internacional. E o FMI, por exemplo, já se apressa a oferecer ajuda...
Há quem faça comparações entre o quadro atual e as crises anteriores que atingiram economias emergentes nos anos de 1980 e 1990, notadamente na Ásia e na América Latina. Semelhanças existem, mas há diferenças importantes também.
Destacaria duas: os regimes cambiais e os níveis de reservas internacionais. Nas crises das décadas anteriores, muitas economias emergentes trabalhavam com sistemas de câmbio fixo ou bandas cambiais. Quando a crise se instalava, regimes mais ou menos rígidos se tornavam alvos para maciços ataques especulativos.
Hoje, prevalecem sistemas de flutuação, com câmbio flexível e maior ou menor intervenção dos bancos centrais. A depreciação cambial é uma primeira linha de defesa, permitindo absorver parte dos choques externos.
A segunda diferença importante: o elevado nível das reservas internacionais, atualmente muito maiores do que costumavam ser. É outra linha de defesa de que dispõem os emergentes diante de choques externos. Os países aprenderam com as crises passadas e têm munição acumulada.
Câmbio flexível e reservas altas ajudam, sem dúvida, mas não podemos nos iludir: a turbulência vai continuar. E a briga vai ser feia.
Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais dez países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal.
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