VALOR ECONÔMICO - 23/08
O preço dos combustíveis está para a presidente Dilma Rousseff assim como a taxa de câmbio esteve para Fernando Henrique Cardoso em 1998, comparou uma fonte qualificada. Ela pode tentar segurar o reajuste da gasolina e do diesel até passar as eleições, como fez FHC com o câmbio. Ou pode não esticar tanto a corda - seriam ainda quatorze meses de congelamento de preços da Petrobras até as eleições de outubro de 2014 - e começar a resolver já.
O fato é que a depreciação da taxa de câmbio - marcada por uma alta volatilidade das últimas semanas - acentuou a defasagem dos derivados do petróleo, amplificando os problemas e colocando dois elefantes na sala da presidente, cuja remoção tem implicações econômicas e políticas.
"Você já viu algum presidente da República reajustar a gasolina às vésperas das eleições?", devolveu um ministro diante das insistentes perguntas desta coluna para saber quão iminente é a decisão do governo.
Já. Em 2002, durante a gestão FHC, a Petrobras aumentou os preços em 9,7% poucos dias antes das eleições de outubro. Fato que deixou contrariado o então candidato à presidência pelo PSDB, José Serra.
Nos últimos dias os mercados de juros e câmbio ficaram sob intenso stress. A depreciação do real frente ao dólar produz mais inflação. O aumento dos combustíveis também. Portanto, só haveria uma alternativa: o Banco Central aumentar ainda mais os juros, levando a Selic, quem sabe, para a faixa de dois dígitos. Mas um aperto monetário mais forte poderia ser letal para o frágil crescimento.
Avalia-se também que o câmbio, no país, está em depreciação mais acelerada do que em outros emergentes, portanto a situação do Brasil é muito pior do que a dos seus pares (exceto África do Sul, cuja desvalorização soma 17,58% no ano).
Ontem pela manhã o noticiário doméstico já estava povoado de expectativas do mercado à espera de uma reunião extraordinária e emergencial do Conselho Monetário Nacional. Esperava-se também o anúncio de medidas fiscais restritivas para dar um choque de credibilidade no governo. A reunião do CMN, ordinária, estava programada e a discussão fiscal é relativa ao orçamento que será enviado ao Congresso no dia 31.
O mercado se fia em qualquer coisa quando está nervoso e sem parâmetros ou quando quer mais volatilidade nos preços dos ativos para engordar seus lucros.
À noite o Banco Central anunciou um expressivo programa de leilões de câmbio que pode acalmar o mercado demandante de "hedge".
O Brasil não está à beira da falência como ocorreu nos anos 80, em 1998 e em 2002, por razões distintas. Ao contrário, as contas externas são mais sólidas do que eram nesses períodos, apesar de terem piorado nos anos mais recentes; dispõe de reservas cambiais da ordem de US$ 370 bilhões; tem um passivo externo de melhor composição; e não vive uma fuga de capital.
Todos os países emergentes estão com suas moedas em forte depreciação desde que o Federal Reserve anunciou que pretende reduzir o ritmo da expansão monetária e, portanto, a liquidez global. Só que alguns apanham mais do que outros. Enquanto a lira turca e o peso mexicano acumulam desvalorização de 10,46% e 2,08% no ano, respectivamente, a rúpia indiana teve depreciação de 14,91% e o real, de 16%.
Argumenta-se que o real se desvaloriza mais do que as outras moedas porque foi também a que mais se apreciou de 2008 para cá. E mesmo no patamar em que está atualmente, ainda estaria ligeiramente abaixo da taxa de câmbio real de junho de 1994 (Plano Real).
A perda de confiança dos investidores no governo não é apenas fruto da imaginação. Tem origens e efeitos concretos.
Começou com o governo inventando uma nova matriz econômica em substituição ao tripé que inspirava confiança nos agentes. Trocou-se o compromisso transparente com metas de inflação e de superávit primário das contas públicas e com o regime de câmbio flutuante por uma política econômica que seria sustentada por juros baixos, gasto público em expansão, taxa de câmbio desvalorizada e preços administrados sob a interferência do governo. O caso mais estridente é o da Petrobras, mas não é o único.
Dentre outros elementos de preocupação, o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos aumentou nos anos mais recentes e se aproxima de 4% do Produto Interno Bruto (PIB), numa clara deterioração das contas externas. Agora ele tende a cair com a depreciação do real. Estudos feitos pelo JP Morgan indicam que o déficit cairia a zero, no Brasil, a partir de uma desvalorização de 20%. Uma das razões pelas quais a Índia e o Brasil estariam pagando mais do que outros emergentes seria exatamente pelo crescente déficit externo que, num mundo de menor liquidez, fica mais difícil de financiar, e por uma inflação alta. O país também está com baixa capacidade de crescimento e investe pouco.
Se o país não está a beira de um colapso como já viveu no passado, poderia estar melhor não fossem as suas jabuticabas.
As tentativas de burlar a lógica nas contas públicas, o experimentalismo nos modelos originais das concessões, os vacilos cometidos no combate à inflação, a contínua capitalização dos bancos públicos para financiar a expansão do crédito e do consumo, prejudicaram a formação das expectativas dos agentes econômicos.
Porém, o Brasil, que nem estava tão bem há três, quatro anos, nem ficou tão ruim hoje, precisa que esses barulhentos obstáculos se afastem para que governo, mercado, sociedade, tenham clareza dos rumos de suas políticas para enxergar melhor seu futuro.
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