O GLOBO - 23/08
‘Contabilidade criativa’, capitalização de bancos por meio de endividamento, intervenção na formação de preços e inflação aumentam fuga de divisas
O fato de a desvalorização do real não ser algo isolado, fazer parte de um movimento planetário que atinge economias emergentes, parece álibi perfeito para a reação típica de autoridades de culpar causas externas por problemas domésticos. Mas não é bem assim.
Por trás de tudo, está a proximidade do fim do “relaxamento monetário”, instituído pelo banco central americano (Fed) para recuperar a economia, por meio da injeção periódica de bilhões de dólares, via recompra de títulos. Depois de mais de US$ 3 trilhões colocados em circulação, a economia americana firma uma tendência de recuperação. Para não gerar pressões inflacionárias perigosas, o Fed suspenderá essas operações, e o capital financeiro que gira no mundo, diante da perspectiva de alta dos juros americanos, começa a buscar títulos do Tesouro dos EUA. Natural que economias emergentes percam atratividade. Porém, há emergentes mais atingidos que outros. Por fragilidades próprias, caso do Brasil.
No inventário de decisões erradas na condução da economia, que hoje cobram um preço na forma de desvalorização exacerbada da moeda, está a “contabilidade criativa”, idealizada para, ingenuamente, tentar camuflar uma política fiscal expansionista enquanto o discurso oficial é o oposto. Relacionado a esta “criatividade”, há o uso desregrado do endividamento público para capitalizar BNDES, BB, CEF, aumentando o risco fiscal. Tudo mina a credibilidade do país diante do investidor externo — e interno —, problema amplificado pela leniência demonstrada com a inflação. Há, ainda, o intervencionismo na formatação de leilões de concessão, com o tabelamento de taxas de retorno. Bem como o dirigismo estatal no congelamento de combustíveis, dramático para o caixa a Petrobras, quando a empresa precisa de recursos para ampliar a fronteira de exploração do pré-sal.
Ainda no quesito da formação artificial de preços, há um subsídio na conta de luz, a fim de bancar o corte pré-definido de 20% no custo final da energia. Nele, há o risco de se criar no Tesouro um daqueles "esqueletos" fiscais descobertos quando o Plano Real estabilizou a economia.
Há entre os agentes econômicos a correta percepção de que os subsídios apenas reprimem inflação. Formam no subsolo da economia um tsunami de inflação represada.
Pode ser que o governo já tenha se convencido de alguns desses erros. O mal, porém, no entendimento do mercado, está feito. E como a percepção dos descaminhos na política econômica coincidiram com o início da contagem regressiva do fim da política do Fed de "relaxamento monetário", a fuga de divisas para o mercado americano pune o Brasil mais que outros países, inclusive latino-americanos. Claro que quanto mais cedo os rumos da política econômica forem ajustados, também mais cedo a dose extra de punição será atenuada. O mundo acompanhará com atenção as próximas reuniões do Copom e as licitações de portos, estradas e ferrovias que se aproximam.
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