GAZETA DO POVO - PR - 23/08
O ser humano é um animal curioso. Entre seus vários cacoetes, há um que se presta a situações jocosas como também a situações sérias. Trata-se da mania de atribuir a si próprio as causas do sucesso e transferir a terceiros os erros do fracasso. Como diz o ditado popular: “A vitória tem muitos pais; a derrota é órfã”.
Há anos, o jornal italiano Corriere della Sera noticiava que um idoso mais que septuagenário, após quatro anos de humilhante impotência, redescobrira a vitalidade perdida devido a uma dose reforçada de Viagra. Logo depois, ele abandonaria o lar deixando um recado: Scusa, cara, ma io voglio morire da stallone (“Perdoe-me, querida, mas quero morrer como um garanhão”).
A esposa, sexagenária, estaria processando o marido fujão por perdas e danos e informava que também iria processar o laboratório Pfizer por não ter etiquetado o remédio como “perigoso para o casamento”. Ela argumentava que “não se pode dar um fuzil carregado a quem não sabe usá-lo”. Quer dizer, ela transferia ao laboratório parte da culpa pelas estripulias do garanhão geriátrico.
Quando essa mania permanece em situações individuais, cujas consequências ficam restritas à vida de uns poucos, não há maiores problemas. Porém, quando se torna um hábito nacional, as consequências podem ser graves. Nos anos 70, o Brasil elegeu três inimigos externos, que seriam os culpados pelo atraso e pobreza local: a dívida externa, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e as multinacionais.
Políticos ditos de esquerda (coisa que, no Brasil, não significa absolutamente nada) se elegeram por vários mandatos apenas fazendo discursos inflamados contra esses inimigos, sem se dar ao trabalho de explicar por que malditas razões eles, e não nós, eram os culpados pelo atraso nacional. Um a um, esses inimigos perderam o charme e, agora, não dá para culpá-los de nada.
Mas a psique nacional, sobretudo a que acomete a paisagem política de Brasília, insiste em buscar inimigos externos. Quando o quadro internacional se mostrou favorável e os preços das commodities exportadas pelo Brasil subiram por nove anos, de 2002 a 2010, revelando a sorte que Lula teve, o governo atribuía a si uma penca de milagres. Lula estimulava que seus ministros e membros de seu partido divulgassem sempre de forma enfática que “nunca antes na história deste país” houvera governo tão proficiente.
O governo Lula teve vários méritos, mas daí a achar que a boa situação das contas externas e a dispensa do FMI como financiador de nossos déficits comerciais foram obra de sua genialidade é um pouco demais. Tanto é verdade que Dilma, treinada no governo Lula em dois ministérios, está amargando a deterioração da situação externa e a piora de alguns indicadores econômicos internos.
Se a vitória era obra do governo Lula, como eles viviam brandindo, é necessário atribuir a Dilma a culpa pelos problemas de hoje. Mas não é assim que o governo age. Mesmo Dilma continua com a mania de atribuir a si e ao PT todos os louros das boas coisas que acontecem e de transferir ao mundo e aos outros a culpa das coisas ruins. Uma adaptação de velho provérbio diz que “errar é humano, culpar os outros... isso é política”.
Os partidos que governam o Brasil se esmeraram na prática de dois esportes: um, brigar com a lógica econômica; outro, inventar culpados externos. A mania de culpar os outros também se encontra nas organizações – o que é ruim, pois um dos meios para a correção de rumos é admitir o erro, entender sua gênese e descobrir as soluções. A negação do erro é a perda de uma oportunidade para evoluir.
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