sexta-feira, agosto 23, 2013

Como fragilizar uma empresa estatal - PAULO HADDAD

O ESTADO DE S. PAULO - 23/08

O conceito de fragilidade financeira teve maior destaque na obra de Hyman Minsky. Para ele, as unidades econômicas podem se situar numa posição financeira bastante favorável quando as receitas esperadas de seus ativos são suficientes para cobrir os compromissos financeiros no presente e no futuro. No outro extremo, elas não se habilitam, a partir de suas receitas esperadas, a fazer frente ao pagamento de suas estruturas de passivo nem aos juros que sobre elas incorrem. Para contribuir de forma significativa com o processo de desenvolvimento nacional, uma unidade econômica precisa dispor de margem de segurança financeira.

É claro que todas as unidades econômicas padecem de certo grau de fragilidade financeira numa economia em regime de recessão. Particularmente numa economia nacional globalizada econômica e financeiramente, quando a crise mundial se espraia,difunde-se, prolonga-se e se aprofunda. Mas a fragilidade financeira se amplifica para as empresas estatais do governo federal quando se consideram as questões das inadequadas escolhas estratégicas do seu controlador e as questões da ineficiência de sua gestão administrativa.

Quanto a esta última dimensão, as razões do relativo insucesso no desempenha econômico e financeiro de muitas empresas estatais estão em variados aspectos. Destacam-se a partilha político-partidária no recrutamento dos seus quadros técnicos e gerenciais; a indefinição de seus objetivos e de sua própria missão institucional; a estrutura organizacional precariamente estabelecida; e a desprofissionalização da alta direção.

De maneira sistemática, podemos identificar três mecanismos que o governo federal vem adotando e que resultaram num processo de fragilização das empresas estatais, comprometendo o seu futuro institucional. O primeiro mecanismo é a utilização da política, de preços dos bens e serviços produzidos por essas empresas para conter o processo inflacionário, o que se tolera apenas numa administração que caminha numa visão de curto em curto prazo. Quanto custa para o País a descapitalização da Petrobrás e das empresas do setor elétrico, em termos de sua capacidade de investimentos indispensáveis para o processo de desenvolvimento nacional? Essas empresas acabam sendo mergulhadas num ambiente de incerteza e de risco maior, o que resulta na perda de cadência e de intensidade na sua programação estratégica.

Um segundo mecanismo se refere à utilização das empresas financeiras do governo federal para resolver problemas que não puderam ser equacionados no orçamento fiscal. Há o risco, pois, de migrarem disfarçadamente para os três bancos públicos federais

(BNDES, Banco do Brasil e CEF) despesas próprias do governo, sem uma contabilização explícita. Esse procedimento pode levá-las a quebrar as regras prudenciais de sua missão institucional e do seu funcionamento, envolvendo-as em elevados níveis de riscos, de inadimplência e de fragilidade financeira. Em eventualidades e casos e como esses, há a formação de mega esqueletos financeiros que somente podem ser absorvidos, no médio prazo, pelo Tesouro Nacional. Este, em última instância, ao se endividar para equacionar o problema, transfere para a sociedade brasileira os custos da solução.

Na verdade, o que ocorre é a explicitação, no futuro, de um eventual endividamento público de forma indireta e disfarçada no presente. Ele, contudo, não passa despercebido pelo mercado financeiro, que o contabiliza no déficit potencial

Finalmente, a profunda restrição orçamentária para realizar uma política fiscal anticíclica de defesa dos níveis de renda e de emprego, assim como o baixo grau de implementabilidade do que o governo decide fazer, leva à tentação de jogar para as empresas estatais (mais flexíveis operacionalmente, com recursos mais livres, com bons quadros técnicos) a execução de tarefas ad hoc muito estranhas à missão institucional até mesmo para uma empresa estatal.

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