FOLHA DE SP - 28/08
RIO DE JANEIRO - Se você sempre admirou aquela frase, "Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja" --sim, é o começo de "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa--, e se imaginou reescrevendo o livro a partir daí com suas próprias palavras, saiba que isso logo será possível. É só o Brasil adotar a nova plataforma da Amazon, a Kindle Words, pela qual os fãs de um livro terão o direito de imiscuir-se nele e se apoderar de seus personagens, podendo até vender sua "criação", aliás chamada de "fan fiction".
Para que o autor original ou seus herdeiros não fiquem aborrecidos ou se sintam roubados, a Amazon pensou em tudo. Por um valor xis, o autor ou herdeiros terão "licenciado" o livro para quem quiser meter-lhe o bedelho --e esta será uma maneira de ganhar algum dinheiro com literatura, já que, pelo que a Amazon decidiu, os royalties dos escritores deixarão de existir. No novo mundo digital, o direito de apropriar-se, copiar, reproduzir, parodiar e negociar textos alheios estará assegurado.
Segundo os ideólogos dessa pirataria, a receita de um escritor não virá mais dos livros que ele vender, mas do que estes lhe renderão em aparições pessoais, palestras, programas de TV, mesas-redondas na Flip e "produtos associados" --por exemplo, o escritor só dará entrevistas usando um boné do Gatorade ou do Fosfosol, sendo pago por isso. Autores capazes de equilibrar bolas no nariz levarão vantagem sobre os gagos, os com língua presa ou qualquer dificuldade para falar em público e que prefeririam ficar em casa, quietinhos, escrevendo.
Enfim, é o futuro. O mesmo que os compositores de música popular, que não têm saúde ou disposição para fazer shows, já estão vivendo. Se não cantarem para uma plateia ao vivo, não comerão.
Por via das dúvidas, vou começar a treinar as bolas no nariz.
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