O Estado de S.Paulo - 18/07
Ontem, em depoimento na Comissão de Serviços Financeiros da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), não disse nada de especialmente diferente do que já dissera em outras oportunidades. No entanto, seu discurso foi decisivo para acalmar o mercado financeiro global que enfrenta com um estresse exagerado a perspectiva de desmonte das políticas monetárias fortemente expansionistas que vêm desde a irrupção da crise global.
Até agora, o Fed sozinho já emitiu cerca de US$ 3,4 trilhões apenas para comprar títulos nos mercados, com o objetivo de ajudar a recuperação da atividade econômica dos Estados Unidos. Desde dezembro de 2012, a autoridade monetária despeja US$ 85 bilhões por mês nessa operação especial conhecida por afrouxamento quantitativo.
Apesar dos solavancos do mercado a cada declaração de diretor do Fed, a perspectiva de desmonte da operação é uma notícia fundamentalmente boa. Indica que a principal locomotiva do mundo começa a rodar, devagar, mas de forma consistente.
O maior medo dos administradores de capital é de que, a partir do início desse processo, os títulos públicos e privados voltem a ficar largados (e desvalorizados) nos mercados, fator que poderia voltar a destruir patrimônio financeiro e a provocar movimentos de fuga do risco.
Bernanke insistiu ontem em que a operação de desmonte não será feita abruptamente. Ao contrário, será gradual, cantada com grande antecedência e terá como contrapartida a melhora real da economia americana, especialmente do mercado de trabalho.
Não há data marcada para o início da operação. O que se supõe é que, se os sinais da recuperação econômica continuarem bons, a partir de setembro o Fed começará a reduzir as compras de títulos e, portanto, as emissões de moeda. Somente mais adiante é que deverão cessar as compras de ativos e só muito mais à frente é que o Fed começará a se desfazer dos seus estoques.
Em princípio, ninguém espera um procedimento muito diferente desse. O problema é que a resposta do Fed à crise é absoluta novidade em matéria de política monetária. E mares nunca dantes navegados provocam medos sem proporção, num campo (o dos capitais) que, por si só, já é fortemente vulnerável ao efeito manada, a ondas de pânico e a outros comportamentos considerados irracionais.
Bernanke entende que a transparência das ações do Fed contribuirá para a redução da atual volatilidade dos mercados. O diabo é que outros fatores aleatórios podem atuar em direção contrária e perturbar o comportamento dos mercados, como a eventual quebra de um banco ou uma súbita dificuldade de uma grande potência econômica em refinanciar sua dívida.
Do ponto de vista do Brasil, os tempos de abundância nunca vista de recursos externos estão com os dias contados. É a volta da maré baixa. A economia terá de contar mais com energia e poupança interna e isso, por si só, exigirá mais equilíbrio na condução das contas públicas.
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