O GLOBO - 07/08
“Prendo a respiração, tento puxar o ar pela boca, mas o cheiro dos cadáveres em decomposição invade todos os meus sentidos. Volto alguns passos, penso em não olhar. Mas, como jornalista, sinto o dever de escancarar a realidade crua. Na escola, há pelo menos dez corpos insepultos, na quadra de futebol, ao sol. Pobreza, porcos misturados a pães, arroz e bananas e trânsito confuso sempre fizeram parte do dia a dia dos haitianos. Até o cheiro forte da comida temperada e exótica é antigo conhecido dos brasileiros. A diferença, agora, é que tudo isso está misturado ao cheiro de morte. Assim é o Haiti. Homens e mulheres que podem sofrer tragédias violentas uma ou duas vezes, ou até três — e depois sofrer ainda mais.”
O relato em primeira pessoa do jornalista Rodrigo Lopes, repórter multimídia e correspondente internacional do Grupo RBS, mostra a garra da reportagem de qualidade. A adrenalina da guerra, o infindável sofrimento de povos castigados pela força misteriosa da natureza, o registro de momentos de admirável grandeza moral, um impressionante mosaico do drama humano, batem forte no leitor. O texto está despido de sensacionalismo, mas está carregado de paixão. E o que seria do jornalismo se faltasse o fascínio do repórter por seu ofício? Rodrigo Lopes, um jornalista jovem e tarimbado, não é um espectador neutro da história. Ainda bem. Derramou lágrimas. Manifestou indignação. Vibrou com fagulhas da vida humana. “Guerras e tormentas” (Edições Besouro Box) é um mergulho do repórter nos principais acontecimentos deste início de século. Vale a pena.
Ninguém resiste à magia da reportagem. Os jornais, prisioneiros das regras ditadas pelo marketing, estão parecidos, previsíveis e, consequentemente, chatos. Precisam, com urgência, recuperar a capacidade de surpreender e emocionar o leitor. Precisam contar boas histórias. É simples assim. E é isso o que o leitor quer.
A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas das empresas de comunicação. É preciso seduzir o leitor com matérias que rompam com a monotonia do jornalismo declaratório. Menos Brasília e mais vida. Menos aspas e mais apuração. Menos frivolidade e mais consistência. Além disso, os leitores estão cansados do baixo-astral da imprensa brasileira. A ótica jornalística é, e deve ser, fiscalizadora. Mas é preciso reservar espaço para a boa notícia, para o empreendedorismo, para a inovação. Tem muita coisa interessante acontecendo.
A boa notícia também vende jornal.
Inúmeras foram as reflexões suscitadas pelo excelente texto do repórter Rodrigo Lopes. O leitor, em qualquer plataforma, evita os produtos sem alma. Não quer um jornalismo insosso. Recusa as tentativas de engamento ideológico. Quer matérias interessantes, pautas próprias. Quer menos burocracia e mais criatividade. Quer menos jornalismo de registro e mais reportagem de qualidade. Quer um jornalismo rigoroso, isento, mas produzido com paixão.
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