O ministro da Fazenda acaba de anunciar um corte de R$ 15 bilhões no custeio geral do governo, para viabilizar a nova meta fiscal de 2013. Ao mesmo tempo, na direção oposta, fala-se de maiores desonerações tributárias no transporte urbano, algo que também agradaria aos manifestantes. Como em situações que vivi várias vezes no governo, esse tipo de corte é pouco eficaz, mas é o que resta à Fazenda quando se trata de fazer ajustes em cima do laço. O certo seria mudar a estrutura do gasto, como se verá ao final.
A verdade é que o governo foi pego no contrapé quando estouraram as manifestações. Primeiro, porque enfrenta uma séria crise de credibilidade na gestão fiscal, crise essa inteiramente desnecessária. Que os resultados fiscais vêm piorando há bastante tempo, é fato. Só que, em vez de apresentar justificativas válidas — a crise etc. —, o governo resolveu esconder a situação real mediante o uso do que ficou conhecido como “contabilidade criativa”. Havia espaço para os saldos fiscais caírem, pelo menos até certo ponto, pois, no conceito de “dívida líquida”, que exclui da dívida bruta as aplicações financeiras, a razão dívida/PIB não tenderia a subir. Bastaria o governo dizer que, passado o auge da crise, tudo voltaria ao normal.
Outro problema tem a ver com a brutal expansão dos financiamentos do BNDES, que se têm viabilizado pela inédita emissão de títulos públicos dos últimos anos. Um maior volume de financiamentos para viabilizar a expansão da infraestrutura será crucial para tirar o país do buraco, mas dois subprodutos do que tem ocorrido até agora começam a despertar preocupação. Como tem havido pouca infraestrutura e outras prioridades no leque de aplicações do BNDES, o forte crescimento da dívida pública bruta resultante dessas emissões precisa ser mais bem justificado. Paralelamente, o salto observado nas transferências de dividendos do BNDES ao Tesouro, em grande medida relacionado com essas operações, tem um forte cheiro de maquiagem fiscal.
O governo é também mal avaliado pelo fato de o modelo de crescimento do consumo, que vem sendo posto em prática há vários anos, ter se esgotado. Em vez de mudar o curso do “transatlântico” na direção de mais investimento e menos consumo, optou-se por esgarçar o modelo ao máximo, interferindo indevidamente no sistema de preços (como nos congelamentos de preços e tarifas básicas), e tolhendo a ação privada séria nas concessões de infraestrutura. Para completar, anunciou-se no início do ano que não haveria mais meta fiscal a cumprir, algo em que o ministro da Fazenda acaba de voltar atrás. É nesse contexto que se diz que foi abandonado o tripé macroeconômico herdado da fase FHC e do início do governo Lula. A síntese disso tudo é que a inflação está acima do tolerável e a economia anda a passo de cágado.
Agora que é preciso, em adição, responder adequadamente às manifestações, o governo procura desviar as atenções para outros temas, dessa feita uma confusa reforma política, cuja impossibilidade prática só vai aumentar a pressão das massas à frente. E anuncia, abertamente, o rompimento de contratos, ao suspender reajustes de pedágios programados normalmente para agora.
Além de recuperar a credibilidade fiscal e da gestão econômica, sem o que acabaremos perdendo a classificação de “grau de investimento” das agências de risco internacionais, o que seria um caos para o país, penso ser hora de se fazer uma discussão mais profunda e produtiva do orçamento federal, exatamente por ser o lugar onde reformar é efetivamente prioritário.
Ninguém sabe disso com clareza, mas 75% do gasto da União se dão com uma gigantesca folha de pagamento de benefícios previdenciários e assistenciais, além dos salários de servidores, resultado de um exagerado modelo de transferência de dinheiro para certos segmentos, não necessariamente os mais necessitados. Essa folha corresponde hoje a cerca de 54 milhões de contracheques, onde se pendura mais de metade da população brasileira, se raciocinarmos com duas pessoas sustentadas a cada contracheque.
Os 25% restantes da despesa total se decompõem em 8% para gastos correntes em saúde; 1,3% para os investimentos em transportes; 4,7% para os demais investimentos; e os demais 11% são gastos correntes pulverizados em setores que às vezes deveriam ser prioritários e não o são. Essa última parcela inclui, ainda, o espremido custeio geral da máquina, de onde o ministro da Fazenda quer agora tirar algo 50% acima do gasto em transportes, obviamente inviável.
Ressalte-se que em 1987, um pouco antes da implementação do atual modelo de gastos, os gastos em saúde representavam os mesmos 8% do total, enquanto os de investimento eram 16% do todo. Enquanto isso, a “grande folha de pagamento” pesava bem menos: 39% do total.
Como se vê pelos protestos, saúde e infraestrutura estão na linha de frente dos gritos. Ou seja, só transferir dinheiro não é suficiente. A tarefa é grande e urgente. O país precisa correr porque está em cima do laço.
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