ESTADÃO - 08/07
É sempre tentador, no rastro dos ensinamentos do materialismo histórico, atribuir rupturas políticas a crises econômicas. O problema é que esse modelo se encaixa com enorme dificuldade ao que ocorre hoje no Brasil.
A economia brasileira não está em crise, a inflação não escapou do controle e não existe ameaça imediata de recessão. Nem mesmo o economista mais infausto deixa de admitir que o PIB de 2013 crescerá mais que no ano passado. A taxa de desemprego aberto (5,8% em maio) é uma das mais baixas da história e causa inveja aos países ricos. A inflação mensal acumulada nos últimos 12 meses é alta (6,5%), mas nos últimos dez anos ela superou esse patamar nada menos que 32 vezes. O saldo líquido de contratações e demissões com carteira assinada aponta a criação de 533 mil novos empregos em 2013. O custo da cesta básica em São Paulo representava 50% do valor do salário mínimo em maio, a mesma proporção registrada para a média dos últimos cinco anos. O rendimento médio real das pessoas ocupadas em 2013 ficou em R$ 1.864,44 nos primeiros quatro meses de 2013, 5,5% maior que o rendimento médio de 2010, ano de forte crescimento do produto. A inadimplência das pessoas físicas vem caindo sistematicamente depois de ter alcançado 6% dos empréstimos em maio do ano passado. Devidamente torturados, portanto, os dados recentes da conjuntura confessam que não estamos diante de um quadro agudo de crise econômica.
Isso não significa que tudo vai bem. Desde 2011 estamos vivendo uma forte reversão de expectativas. O trem continua andando para a frente, mas a velocidade se reduziu drasticamente, forçando as pessoas a reagendarem seus compromissos. Quem imaginava trocar de carro em dois anos e comprar uma casa em cinco teve que mudar de ideia. Confirmada a estimativa de crescimento do produto para este ano (que é revista para baixo todos os dias) teremos um aumento do PIB nos três primeiros anos do governo Dilma de pouco mais de 6%, contra 7,5% de crescimento no último ano da gestão Lula e 43% na primeira década deste século. É muito pouco.
Estamos quase parando. Considerando o aumento da população, a evolução do produto per capita desde 2010 está em 1,2% ao ano. A esse ritmo de caracol, demoraremos algo como 60 anos para alcançar a renda per capita atual da Grécia, país que raramente é citado como modelo no imaginário brasileiro.
Como nutrir a confiança, se temos de esperar tanto para andar tão pouco? Como sonhar? Como manter a esperança de um andarilho perdido no deserto se o prêmio é uma fanta morna, sem gás? Tudo fica mais difícil quando não existe a convicção de que o futuro será melhor amanhã. Na falta de perspectivas melhores, a percepção das conquistas recentes rapidamente se esvanece. Isso é ressaltado pelo próprio mecanismo que engendrou a ascensão social que testemunhamos nos últimos anos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento real médio do brasileiro aumentou 24,5% entre 2004 e 2011. Não está mal, para quem marcava passo há décadas. Essa melhoria, no entanto, foi bastante desigual e varia inversamente ao nível de renda. Os 10% mais pobres viram seu rendimento aumentar 69% nesse período. Mas essa taxa decresce à medida que a faixa de renda aumenta. Para os 10% mais ricos, a evolução foi de apenas 14%. Em outras palavras, para as famílias que ascenderam na escala social a velocidade de crescimento diminui, o que pode alimentar, paradoxalmente, uma frustração de expectativas. Quanto mais se avança, menor é a velocidade da mudança e menos prazeroso o sabor das novas conquistas.
Nessas condições, o raio de manobra para mudanças significativas na economia ficou ainda mais restrito, já que teremos de conviver a partir de agora com agendas e prioridades conflitantes. Tudo ficou mais difícil. Nos últimos anos, quando a conjuntura internacional nos era favorável, a política econômica evoluiu aos rodopios, em trôpegos passos miúdos. Ao som do ronco colérico das ruas e sob a influência de um quadro internacional mais adverso, manobrar com sensatez as regras econômicas exigirá engenhosidade até agora não demonstrada pela equipe econômica. Nossa vida de cigarra chegou ao fim, ao mesmo tempo que as demandas sociais se dramatizam. Descartada a doce ilusão de que o governo pode dar um salto instantâneo de eficiência, melhorar a qualidade dos serviços públicos exige mais despesas, que pressionam o déficit, que empurra a inflação, já ameaçada pela desvalorização cambial. Empenhamos o futuro em proveito de benefícios de curto prazo, mas o futuro chegou. Isto é particularmente transparente na política de preços administrados. Vivemos em um país onde um litro de gasolina é 72% mais barato que um litro de água de coco, do que resultou a depauperação da Petrobrás e de sua capacidade de investimento, sem mencionar o impacto nefasto sobre a indústria do álcool. O mesmo vício parece agora assolar a tarifa dos serviços públicos, que pode ser congelada para aplacar a fúria dos usuários insatisfeitos. Isto representa um risco adicional aos leilões das novas concessões programadas para os próximos meses. Sem concessões, os investimentos não avançam e sem eles o País pode parar, talvez andar para trás. A crise política pode se agravar se a ela for sobreposta uma crise econômica, hoje inexistente.
É tempo de recompor as forças, escolher prioridades e recuperar a credibilidade em torno de uma agenda mínima que contemple o controle da inflação e a estabilidade de regras como condições para o crescimento duradouro. Do contrário, é melhor poupar nosso pessimismo agora. Podemos precisar muito dele mais adiante.
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