O GLOBO - 08/07
Os meus colegas de turma estão entrando na casa dos 70, o que logo me obrigará a seguir com eles. Me vejo, então, pensando nessa coisa misteriosa que é o tempo. Como os filósofos já explicaram, não se trata de entidade unívoca. Pode às vezes enroscar-se como gato em varanda ensolarada, e assim ficar por décadas. De repente dá um salto, e nada mais será como antes.
Assim acontece com o ciclo lulista, que agoniza nas ruas. Durante dez anos, viveu-se dos bons fundamentos lançados na era FHC: moeda estável, lei de responsabilidade fiscal, saneamento dos bancos, a isto se somando um período dourado no comércio internacional. Aproveitando os bons ventos, Lula introduziu no cenário um feeling pelo social que o transformou numa lenda viva.
De repente, nada mais será como antes, e a reeleição de dona Dilma tornou-se problemática. Onde está o guia infalível, com suas intuições geniais?
Aos 67, ele já poderia ter alguns diplomas de sabedoria. Mas nem isso é garantido. A frase é de Cícero: “As pessoas são como o vinho: nem todas azedam com a idade.”
Lula parece muito azedo. Isso soa estranho em quem foi o presidente mais popular da história do Brasil. As coisas que ele tem dito — nunca em público — também soam estranhas. Como convocar a militância a recuperar, nas ruas, os espaços que “a direita” conquistou.
Mas que direita? E será que tudo na vida tem de ser politizado a esse ponto? Que existe direita e esquerda, todo mundo sabe. Está na natureza das coisas. Como disse um velho político francês, “eu sei que meu traseiro tem um lado direito e um lado esquerdo”. Mas a pura indignação contra os corruptos, contra as farsas da política, precisa caber nesses velhos frascos?
É o momento em que esperteza demais mata o seu autor. Para citar Goethe: “A teoria é cinzenta; verde é a árvore da vida.”
Isso são coisas que a idade pode ensinar. Há um bom movimento que leva do romantismo para o classicismo, sem que isso obrigue ao esfriamento do coração. O clássico é o que conseguiu tomar um pouquinho de distância da nossa briga cotidiana, e ver as coisas, sempre que possível, “sub species aeternitatis”. Fica mais fácil, com a idade, perceber que estamos cercados de milagres. Que uma borboleta é um milagre em estado puro — e, mais ainda, a consciência serena de um Plutarco.
Caso curioso é o de Tolstoi. Aos 37 anos, ele começou a escrever “Guerra e Paz”, que terminou aos 40. Poucas coisas haverá que mereçam, como esse livro, o adjetivo de “clássico”. Narrando a invasão da Rússia por Napoleão, em 1812, ele fornece uma visão dessa nossa vida terrena que, sem ser “religiosa” (Tostoi não era Dostoievsky), nos faz sentir que somos parte de algo muito grande e misterioso, superior a todas as mesquinharias.
Mas depois ele se tornou “religioso” de um modo estranho. Membro da aristocracia (ele era o conde Tolstoi), queria reformar a Rússia — o que era, mesmo, necessário —, e para isso desenvolveu uma variante peculiar de cristianismo em que ele era um verdadeiro chefe de seita. Tornou-se intolerante, cercado por acólitos que imitavam o radicalismo do mestre. Do mundo inteiro, vinha gente visitá-lo em seu retiro de Iasnaia Poliana, sem saber o quanto o mestre barbudo e reverenciado fazia sofrer sua própria família.
Moral da história: sabedoria não tem idade.
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