As dificuldades de países-sócios do Brasil no Mercosul tiveram um efeito curioso - e positivo - no desempenho do comércio exterior brasileiro: a compra de automóveis como investimento para fugir da inflação está entre as principais razões para o forte aumento das exportações de veículos para Argentina neste primeiro semestre. Na Venezuela, para algumas montadoras, também há esse impulso nas vendas ao país.
"Como investimento, a compra de automóveis é ruim, mas na Argentina os usados não se desvalorizam tanto quanto no Brasil", comenta o economista Maurício Claverin, coordenador da área de comércio exterior da consultoria argentina abeceb.com, um dos especialistas que constatou o fenômeno, já identificado por executivos de montadoras no Brasil, segundo um executivo do setor.
O aquecimento do mercado de consumo nesses países também influencia nesse comportamento, mas, tanto na Argentina quanto na Venezuela, o aumento do controle do governo sobre a disponibilidade e as transações com dólar fizeram com que os investidores se voltassem para ativos reais, como imóveis.
Na Argentina, a redução na oferta de imóveis e a demanda de alternativas, por poupadores com menor poder aquisitivo, aumentou a procura pelos carros, ampliando o mercado dos brasileiros nos dois países.
No primeiro semestre, as vendas de veículos de passeio à Argentina chegaram a quase US$ 2,1 bilhões, um aumento de 35,5%, na comparação com o mesmo período do ano passado, segundo informações do Ministério do Desenvolvimento ao Valor. Na Venezuela, as vendas de carros foram inexistentes no primeiro semestre de 2012; neste ano, já chegaram a US$ 16 milhões até junho, e devem ficar bem acima dos quase US$ 29 milhões de 2011.
Especialistas acreditam - e a indústria espera - que essa tendência na Argentina e Venezuela persista neste e no próximo ano, dando um empurrãozinho heterodoxo na balança comercial brasileira, enquanto a recente valorização do dólar não faz seu trabalho, desencorajando exportações e elevando a competitividade de produtos fabricados com custos em reais, mais desvalorizados em relação ao dólar.
Como divulgou o Ministério do Desenvolvimento, além do crescimento nas vendas de automóveis (32% em valor total, 25% em quantidade), a balança comercial brasileira teve impacto sensível de uma operação meramente contábil, o registro, como exportação, do lançamento ao mar de uma plataforma de petróleo da Petrobras, de US$ 1,6 bilhão. Descontado esse item, porém, a soma total das exportações ainda é impressionante, só abaixo do recorde de 2011.
A queda conjuntural, de 29,5%, nas vendas de aviões - que não deve se manter durante todo o ano, segundo o setor - impediu um desempenho mais favorável das exportações Um setor sensível, o de laminados planos, teve alta de 18% na quantidade vendida no primeiro semestre, mas acompanhado de uma queda nos preços superior a 17%.
Um olhar detalhado sobre os dados da balança comercial mostra que, cada vez mais, estão dentro do país, e não fora, os maiores desafios para o Brasil. O maior fator de deterioração dos resultados do comércio externo ainda é o mercado interno brasileiro, especialmente o de combustíveis; caem as exportações de petróleo e derivados e aumentam importações para abastecer o consumo sem freios do motorista brasileiro.
Também persiste o furor importador de bens não duráveis, especialmente alimentos, produtos farmacêuticos e bebidas, com aumento, nas compras diárias, superior a 14% no primeiro semestre, em comparação ao mesmo período de 2012, e de 23% só em junho, na comparação com junho do ano passado.
Curiosamente, ao mesmo tempo em que cresce o volume de importados, cai o ânimo protecionista do governo, segundo se constata em conversas reservadas com a equipe econômica. A razão está na briga com as pressões inflacionárias, e na recente onda de valorização do dólar (mais de 10% neste semestre), que, por si só, desencoraja importadores e anima exportadores.
Estava prevista para dia 12 uma reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex), que deveria discutir a nova lista de cem produtos para os quais o Brasil poderia aplicar tarifas de importação superiores à TEC, a tarifa comum do Mercosul. São fortes os sinais de que a lista pode ser adiada indefinidamente.
Em outra direção, o governo parece cada vez mais interessado em encorajar o corte de impostos de importação por motivos de "interesse público", novidade aplicada pela primeira vez para produtos destinados à Copa do Mundo e à Olimpíada.
Premido pela batalha anti-inflacionária a aceitar um volume maior de importações, o governo também enfrenta um dilema no campo das exportações: apesar das manifestações enfáticas em favor de acordos internacionais de comércio, o empresariado brasileiro, longe de microfone e câmeras, mostra-se bem menos corajoso.
Nos preparativos para as negociações de acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, ao montar a lista de produtos que vão receber corte de tarifas para os exportadores europeus, os técnicos não conseguiram alcançar 80% do total de comércio (são necessários pelo menos 90%). É grande o número de setores que pede para ficar fora da abertura aos europeus, ou reivindica cronogramas que estenderiam bem além, na próxima década, o eventual livre comércio de seus produtos.
As negociações de comércio com os europeus ganharam novo obstáculo na semana passada com a trapalhada cometida pelos europeus, ao bloquear indevidamente o trânsito do avião do presidente boliviano, Evo Morales, sob suspeita de abrigar Edward Snowden, perseguido pelo governo americano por denunciar o sistema de espionagem dos EUA sobre comunicações na internet.
Condenada na região, a ação europeia levou a um pedido de desculpas da França, mas azedou o clima político. Poderá até aparecer como razão para que as negociações comerciais degringolem, para alívio de muitos no setor privado, que serão, assim, poupados de aparecer como força protecionista no Brasil.
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