Vivemos tempos difíceis. O mundo, desde 2008, está mergulhado em grave crise econômica. Ela se manifesta, de modo especialmente agudo, em países da União Europeia. No entanto, Estados Unidos e China também sofrem seus efeitos. A potência asiática reduziu o ritmo de seu crescimento.
Essa conjuntura respinga de maneira preocupante no Brasil. Nos últimos dez anos fincamos nossa estabilidade econômica no modelo exportador de mercadorias (commodities). Agora vivenciamos a perigosa combinação de ampliação do endividamento do governo, diminuição sensível do crescimento econômico e risco de volta da inflação.
Governos, com raras exceções, gastam mal o dinheiro arrecadado com impostos. Um país emergente, contudo, deveria seguir o ditado popular: se o cobertor é curto, cobre a cabeça e descobre os pés.
O ex-ministro da Fazenda Delfim Neto sustenta que Estado e mercados são instituições que precisam ser coordenadas. Assim atingiremos o melhor nível de eficiência possível e os frutos econômicos produzidos serão distribuídos da forma mais equânime. No longo prazo, acelera-se o crescimento material com inclusão social: "É preciso, portanto, cuidadosa calibragem entre as políticas econômica e social do governo e o crescimento do setor privado" (Confiança, 2012).
Governantes brasileiros foram surpreendidos, no mês de junho, por eloquentes manifestações de rua, estimuladas pelas redes sociais da internet. Milhares de cidadãos indignados saíram às ruas para protestar, dentre outros temas, contra a má qualidade dos gastos públicos, as deficiências nos setores de saúde, educação, transportes públicos e a corrupção.
Os protestos expressam, de modo passional, a insatisfação generalizada dos governados. São uma forma legítima de exercício da cidadania participativa. Sem dúvida, as vozes das ruas fortalecem o regime democrático implantado pela Constituição federal de 1988.
No entanto, para o País se desenvolver não podemos prescindir da racionalidade das instituições. Em síntese, os governos têm de buscar os melhores resultados para satisfazer o interesse público, em todas as esferas federativas; os legisladores têm de editar leis exequíveis e duradouras; e os juízes, por sua vez, têm de zelar pelo cumprimento da Constituição e das leis, sem criar sobressaltos no convívio social.
Conforme o jurista francês Antoine Garapon, o mundo contemporâneo caracteriza-se pelo controle crescente da Justiça sobre a vida coletiva. Juízes são chamados a se manifestar em número cada vez mais extenso de setores da vida social (O Juiz e a Democracia: o Guardião das Promessas, ed. brasileira, 1999, pág. 24). O Brasil não escapa dessa assustadora "judicialização".
Nesse contexto, despontam acirrados conflitos de conteúdo econômico e social. O Poder Judiciário defronta-se, de um lado, com a forte a pressão de diversas organizações sociais, de proteção dos indígenas, do meio ambiente, dos consumidores, dos trabalhadores e congêneres; e, de outro, também é forte a resistência de entidades governamentais e poderosos grupos econômicos.
A primeira premissa para julgar tal espécie de conflitos é o respeito aos contratos: "Além de ser determinação constitucional, em nosso país, tornou-se um imperativo do Estado de Direito e um valor cultural e ético em todo o mundo ocidental. Chegou-se a afirmar que uma sociedade que não respeita os contratos se caracteriza pela deslealdade e é desmoralizada. Nem mesmo democracia pode haver nos países nos quais não é possível exigir e obter o cumprimento dos contratos" (Arnoldo Wald, prefácio do livro Teoria Geral do Contrato: Confronto com o Direito Europeu Futuro, de Vera Helena de Mello Franco, Editora RT, 2011, pág. 9).
A segunda premissa é a garantia da segurança jurídica. O professor Eros Grau, citando Max Weber, aponta a necessidade, para o mundo capitalista, de "estabilidade, segurança e objetividade no funcionamento da ordem jurídica e no caráter racional e em princípio previsível das leis e da administração" (Princípios, a (in)segurança jurídica e o magistrado, na Revista Amagis Jurídica, n.º 7, pág. 1).
No mundo globalizado, os magistrados não podem desprezar o impacto macroeconômico das suas decisões. O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, refletiu: "Se nós oferecemos uma justiça caridosa, se nós oferecemos uma justiça paternalista, se nós oferecemos uma justiça surpreendente que se contrapõe à segurança jurídica prometida pela Constituição federal, evidentemente que isso afasta o capital estrangeiro, como afasta o capital das grandes corporações. É o que sucede com o não cumprimento de tratados, o não cumprimento de laudos arbitrais convencionados previamente... Isso, segundo a Corte Especial, aumenta o que se denomina 'Risco Brasil'" (Impacto das Decisões Judiciais na Concessão de Transportes, na Revista da Escola Nacional da Magistratura, n.º 5, pág. 12).
A terceira premissa é a boa-fé. O artigo 113 do Código Civil dispõe que "os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração". É a sinceridade e a probidade nas relações jurídicas (Miguel Reale, Estudos Preliminares do Código Civil, Editora RT, 2003, pág. 77).
Enfim, é democraticamente saudável realizar passeatas para protestar e reivindicar direitos. Mas o progresso do País depende também do fortalecimento das nossas instituições. E ainda depende da conduta ética dos cidadãos: devem votar em bons candidatos para cargos eletivos, evitar o "jeitinho" brasileiro na satisfação de interesses pessoais, não sonegar impostos, não subornar funcionários públicos e não comprar drogas ilícitas de traficantes. Do contrário, não progredirá o País e de nada valerão as manifestações de rua.
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