A vitória do brasileiro Roberto Azevêdo dá ao Brasil um protagonismo importante no momento mais difícil da Organização Mundial do Comércio. O travamento da Rodada Doha e o início da negociação do acordo transatlântico entre Estados Unidos e Europa colocam o mundo numa encruzilhada. É exatamente neste momento que um brasileiro vai assumir o comando do órgão.
A Organização Mundial do Comércio é herdeira direta do GATT, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, que nasceu do esforço de reorganização do mundo após a Segunda Guerra Mundial. Os liberais em comércio têm de sobra dados mostrando que o aumento do comércio produz mais dinamismo em todas as economias; ao mesmo tempo, o protecionismo é um velho vício de todos os países.
No enfrentamento dessas duas correntes, têm caminhado as negociações comerciais multilaterais. Nos anos 60, a Rodada Kennedy; no final dos anos 70 e começo dos 80, a Rodada Tóquio. Nos 90, a Rodada Uruguai. Em cada uma dessas etapas houve uma redução global das barreiras ao comércio. A primeira queria apenas reduzir um pouco as tarifas de importação, a segunda desmontou também algumas barreiras não tarifárias, e a última incluía outros setores que antes nem estavam em discussão.
Tudo somado foi pouco. O mundo é ainda muito fechado, a crise recente reforçou medidas de proteção do mercado interno. A estagnação das negociações da Rodada Doha só incentivou os acordos bilaterais e o fechamento das concessões dentro dos blocos, excluindo os demais.
Por isso, Doha é fundamental. Para garantir o multilateralismo. Só numa OMC forte pode haver sanções a quem desrespeita as regras do jogo. O Brasil tem vitórias emblemáticas na OMC, como o caso do algodão contra os Estados Unidos.
O problema é que o próprio Brasil está num processo de retrocesso em relação à abertura ao comércio. País tradicionalmente fechado, que só em 1990 fez a abertura comercial e acabou com a reserva de mercado da informática, o Brasil foi abrindo até recentemente, quando criou diversas barreiras ao comércio.
Elevou as tarifas de importação, mas dentro do limite da OMC. Reduziu IPI de produto local, discriminando o produto importado, o que não é permitido. Toda a barreira tem que estar concentrada na tarifa de importação. A regra da OMC não aceita que se crie essa diferenciação no imposto interno porque ela acaba sendo uma segunda barreira ao comércio.
Enfim, o Brasil não é conhecido por ser um adepto fervoroso do livre comércio e isso piorou nos últimos anos. Por outro lado, é um defensor das decisões tomadas de forma coletiva, o multilateralismo.
O candidato derrotado Hermínio Blanco é de um país, o México, que tem um fluxo de comércio muito maior em proporção ao PIB. Por outro lado, 75% do que exportam são para os Estados Unidos.
Na divisão dos votos, o Brasil ficou com os países emergentes, China, principalmente, e os em desenvolvimento. A Europa votou em peso em Hermínio Blanco, e os Estados Unidos fizeram até campanha. Coreia do Sul e Japão também ficaram com Blanco.
Oficialmente, o resultado não será divulgado hoje, só que já se vê pela divisão de votos que a primeira tarefa do embaixador brasileiro será reforçar a ponte Norte-Sul. O esforço para levar todos de volta à mesa de negociação tem que superar a clivagem que ficou como herança desta longa disputa. Inicialmente, eram nove, e o embaixador brasileiro acabou vencendo. A vitória é robusta, o momento é decisivo, e, se a atuação dele for relevante, reforçará o projeto do Brasil de ter uma posição de mais destaque na governança global.
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