O GLOBO - 08/05
A ‘crise mundial’ leva a culpa por dificuldades criadas por uma infraestrutura superada, distorções tributárias e aumentos salariais acima da produtividade
Ser governante é se tornar um militante do otimismo. Haja o que houver. Como, agora, diante dos déficits na balança comercial, algo que há muito tempo não ocorria com o Brasil.
O resultado negativo de abril, de US$ 994 milhões, foi o pior da história neste mês, sendo que, em março, fora contabilizado um superávit de US$ 161 milhões. Mas, nos primeiros quatro meses do ano, o saldo está no vermelho em US$ 6,15 bilhões, quando, no mesmo período de 2012, havia sido alcançado um superávit de US$ 3,29 bilhões. A troca de sinal da balança de comércio externo parece avassaladora, mesmo que o déficit tenha encolhido para US$ 5,7 bilhões, considerada a primeira semana de maio.
Coerente com sua função de presidente, Dilma Rousseff minimiza a safra de maus resultados comerciais — “só oscilações”. Mais uma vez uma autoridade voltou a se referir à crise mundial, explicação clássica de governos para todos os males internos.
Melhor que assim seja, pois, se a acumulação de déficits pode equacionar questões referentes ao câmbio, ele tem o poder de projetar preocupantes incertezas à frente, caso os saldos negativos se devam a problemas graves internos. E caso o comércio exterior brasileiro tenha de fato “virado o fio” por sérias fragilidades da própria economia, nem as reservas de US$ 378 bilhões poderiam garantir tranquilidade absoluta.
A causa da perda de dinamismo do comércio exterior do país não é a agroindústria. Esta continua dinâmica. O desafio às autoridades é o setor industrial. Dados publicados pelo GLOBO, segunda, sobre o saldo de trocas comerciais de diversos setores são dramáticos: há déficits que, nos últimos sete anos, deram saltos astronômicos. O do segmento de têxteis e confecções aumentou 1.834%, de US$ 275 milhões para US$ 5,3 bilhões; em produtos químicos, de US$ 8,5 bilhões para US$ 28 bilhões, mais 229%. Em eletroeletrônicos, outra enormidade: um crescimento de 200%: de US$ 10 bilhões para US$ 30 bilhões.
Toda a indústria, de 2006 ao ano passado, deve ter gerado um déficit mastodôntico de US$ 100 bilhões. Os produtos primários (alimentos e minérios) vinham mais que compensando a sangria. Mas como nem mesmo o petróleo — em que a comemorada autossuficiência não aconteceu — ajuda, abriu-se um ciclo de déficits.
Na radiografia da atividade identificam-se, como dificuldades, aumentos salariais acima da produtividade — esta, em baixa —, além dos já clássicos gargalos de infraestrutura, e ainda empecilhos tributários — apesar de desonerações. Há, também, a sabida falta de mão de obra qualificada. Assim, mesmo que haja uma recuperação mundial, há um razoável entulho interno a ser removido, para a indústria recuperar competitividade. Neste caso, deverá ser lenta a volta dos superávits em níveis tranquilizadores. O Brasil sabe da dureza de uma crise cambial e seus subprodutos (inflação, desemprego).
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