FOLHA DE SP - 08/05
Nenhuma lei federal dos EUA chegará perto da lei brasileira que protege os trabalhadores domésticos
Quando os brasileiros dizem que a nova lei dos trabalhadores domésticos acabará tornando o Brasil mais parecido com os EUA, eles querem dizer que ter babás, cozinheiras e empregadas, às vezes mais de uma ao mesmo tempo, logo será luxo acessível só a pessoas muito ricas.
Nos EUA, famílias de classe média alta ou cujos membros exercem atividades remuneradas geralmente podem pagar alguém para limpar a casa uma ou duas vezes por semana e talvez lavar roupas também.
Babás nos EUA também cozinham e fazem limpeza, mas para pagar uma, que custa de US$ 3.000 a US$ 4.000 por mês ou mais, é necessário que o casal trabalhe ou que um deles tenha alta renda.
Para a classe média americana, empregadas não cabem no bolso: a própria família tem que fazer todo o trabalho de casa. Os mais privilegiados têm avós que ajudam com as crianças pequenas ou contam com creches, muitas vezes de qualidade duvidosa, para bebês --já que a licença-maternidade nos EUA pode se estender no máximo a quatro meses para funcionários do governo.
O Brasil é o país com o maior número de empregados domésticos no mundo, e os EUA, o décimo. Os números oficiais são, respectivamente, 7,2 milhões e 726 mil -- provavelmente não representam o total verdadeiro. Mas, no Brasil, mesmo agora que esses trabalhadores ingressam no mercado formal e adquirem novas habilidades e novos empregos, o país tem um longo caminho a percorrer até esse número baixar a ponto de se assemelhar ao dos EUA.
Porém o Brasil já ultrapassou os EUA num quesito muito importante. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, assim como as leis trabalhistas da África do Sul, que nasceram num cenário pós-apartheid, a nova lei brasileira dos trabalhadores domésticos é a mais abrangente e progressista do mundo.
A maioria dos trabalhadores nos EUA --sejam eles domésticos, profissionais, de serviço e até os cada vez mais raros sindicalizados-- não tem os direitos que lhe são garantidos, pelo menos não formalmente.
Só os Estados de Nova York e Havaí aprovaram leis que protegem trabalhadores domésticos, mas não tão abrangentes quanto a do Brasil. As Assembleias de Califórnia, Illinois e Massachusetts trabalham em projetos semelhantes, mas nenhuma lei chega perto da brasileira.
O impacto socioeconômico da nova lei vai demorar um tempo. A importância mais profunda nos leva de volta a 1888 e ao legado da escravatura no Brasil. Nos EUA, Abraham Lincoln assinou a emancipação em 1863. Cem anos e uma guerra civil depois, Lyndon Johnson assinou as leis dos direitos civis e de voto.
Nos últimos 50 anos, a maioria dos americanos de ascendência africana saiu do mercado de trabalho doméstico: os rankings são dominados por latinas, filipinas, africanas e, em menor número, brasileiras.
Embora Barack Obama e sua mulher agora morem na Casa Branca, construída pelos ancestrais da própria Michelle Obama, o legado da escravatura nos EUA é palpável ainda hoje em índices desproporcionais de encarceramento, desemprego, pobreza, analfabetismo entre adultos, total de desabrigados e certas doenças. Vamos torcer para que o Brasil escolha outro caminho.
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