FOLHA DE SP - 01/04
A pretexto de incentivar investimentos e retomada da atividade econômica, Planalto tolera deterioração paulatina das contas públicas
Não há muita dúvida de que a política fiscal do governo Dilma Rousseff passa por uma mudança estrutural. A decisão mais recente do Planalto, explicitada pelo secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, foi condicionar o rigor com as contas públicas ao crescimento do PIB e não mais à evolução da dívida pública.
A meta oficial de superavit primário (saldo das receitas e despesas públicas antes dos gastos com juros) segue em 3,1% do PIB, mas sua observância já vinha caindo em descrédito. Inflar receitas com sucessivas manobras contábeis, retirar do cálculo os investimentos e as desonerações tributárias e ignorar os rombos dos Estados e municípios levaram a isso.
O afrouxamento agora se completa. O governo assume que o esforço de austeridade dependerá do ritmo de crescimento da economia. Pode, até, vir a permitir um deficit, caso o desempenho do PIB continue a decepcionar.
Números recentes evidenciam a prática. O saldo primário do governo federal ficou em R$ 19,9 bilhões no primeiro trimestre. Nos 12 meses até março, equivaleu a 1,7% do PIB --queda importante diante dos 2,4% obtidos no mesmo período de 2012.
O governo atribui a piora das contas à fraqueza da economia e da arrecadação tributária, uma verdade parcial. A receita do Tesouro cresceu só 2,3% no primeiro trimestre. Mas a alta de despesas foi de 11,5%; o desequilíbrio é patente.
Os motivos são os de sempre: benefícios previdenciários e despesas de custeio (excluindo pessoal) subiram 14,3% e 18,9%, respectivamente. Do lado dos investimentos, houve alta de apenas 7,4%.
Ressalve-se que uma política fiscal anticíclica, atrás da qual se escuda o Planalto, pode ser justificável em certas condições. Mal formulada e mal conduzida, como agora, serve de biombo para a velha e conhecida farra fiscal.
O risco se afigura ainda maior quando se considera que a frouxidão abarcará os Estados e os municípios, com a permissão federal para que também aumentem suas dívidas. Em tese, o objetivo é fomentar investimentos fundamentais para o país, mas só em tese (mais plausível é a explicação de ser 2014 um ano eleitoral).
Por fim, há o agravante da aparente falta de sintonia entre Fazenda e Banco Central, que, em seus documentos, ainda conta com o cumprimento integral da meta.
A administração flexível do Orçamento pode fazer parte do arsenal contra a anemia econômica, mas é preciso critério. Hoje é impossível confiar em que o governo fará uso prudente dessa margem de liberdade. Não será surpresa se o país colher, ao final, uma dívida pública maior --e sem resultados palpáveis para o crescimento.
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