folha de sp - 01/05
SÃO PAULO - Sou cético em relação a essa crise entre os Poderes. Não que elas não possam existir. O problema é que, no Brasil, ocorrem com tamanha frequência e produzem tão poucas baixas reais que parece mais justo classificá-las como bravatas.
Uma rápida pesquisa nos arquivos da Folha revela que a expressão "crise entre Poderes" foi utilizada em sete dos últimos dez anos para referir-se a pendengas entre o Judiciário e o Legislativo ou o Executivo. Desnecessário dizer que nada de muito grave aconteceu e que as instituições seguem funcionando normalmente.
Em comum, essas, vá lá, crises têm o fato de opor o Judiciário a algum outro Poder, o que é esperado, já que cabe ao primeiro manifestar-se institucionalmente sobre as atitudes dos demais. Como a decisão nem sempre é a esperada, atritos são inevitáveis.
Arroubos retóricos dão o tom, mas vale lembrar que, em sistemas complexos como são as relações entre os Poderes e a sociedade, mesmo as fanfarronices mais explícitas podem produzir efeitos importantes. Reações exaltadas de parlamentares dificilmente mudam o voto de um ministro, mas podem fazer com que ele aja com dupla cautela na próxima liminar que examinará. De modo análogo, a grita de juízes, advogados e da mídia em torno dos projetos mais controversos do Legislativo ajuda a definir o território do inaceitável.
Devido a uma interpretação excessivamente manualesca da teoria da repartição dos Poderes de Montesquieu, muitos analistas veem em qualquer fagulha uma ameaça ao funcionamento harmônico das três esferas do Estado. Não há dúvida de que a guerra aberta é algo a ser evitado, mas seria ingenuidade esperar que a ação das instituições elimine o conflito da sociedade e, sobretudo, dos meios políticos. Ao contrário, cabe a elas tornar as disputas explícitas e tentar discipliná-las para que se resolvam de forma não violenta. A democracia é necessariamente meio confusa e muito barulhenta.
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