quarta-feira, maio 01, 2013

Briga ruim - MARCELO DE PAIVA ABREU

O ESTADÃO - 01/05

Após a eliminação de sete candidatos, chegou à reta final a disputa pelo cargo de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). Enfrentam-se na última etapa Roberto Azevêdo, do Brasil, e Hermínio Blanco, do México. Do ponto de vista do Brasil, trata-se de briga ruim, a despeito dos méritos do diplomata brasileiro. O Brasil sabia da candidatura mexicana quando decidiu lançar candidato. Havia risco de confronto com o México. Qualquer que seja a probabilidade de vitória, uma eventual derrota seria extremamente onerosa politicamente e transcenderia a esfera da política comercial.

O processo de seleção do diretor-geral, alegadamente consensual, é rudimentar. Os candidatos, em meio a juras de amor ao sistema multilateral de comércio, enfatizam que não defenderão interesses nacionais. Apesar disso, os respectivos governos nacionais empenham-se abertamente na busca de apoio e custeiam périplos eleitorais dos candidatos.

A rivalidade entre Brasil e México tem raízes que, em parte, resultam da própria geografia. A concentração do comércio mexicano com os EUA favoreceu a integração comercial regional e abriu caminho para um grande número de acordos preferenciais com parceiros muito menores. O Brasil, com mercados mais diversificados, adotou posição muito mais defensiva sobre a abertura comercial. A estratégia diplomática mexicana enfatizou a aproximação com os países desenvolvidos, mesmo arcando com o ônus de ser percebido por alguns como um cavalo de Troia abrigando pretensões de Washington ou Bruxelas. A diplomacia brasileira, em contraste, especialmente no passado recente, buscou alargar sua base de apoio, sendo agressiva na abertura de embaixadas em capitais menos expressivas do mundo em desenvolvimento.

Na diplomacia comercial multilateral, Brasil e México se colocaram em campos opostos na reunião ministerial da OMC em 2003, em Cancún. Sem interesse demandeur na agricultura, a posição mexicana ficou alinhada à norte-americana e à europeia, enfrentando fogo cerrado do G-20 emergente, com o Brasil em papel destacado nesse ataque. O episódio é certamente relevante para explicar a derrota da candidatura brasileira a diretor-geral em 2005.

Na OMC/Gatt, o Brasil tem mais tradição que o México. Fundador do Gatt, após insistir no bloqueio das negociações na década de 1980, tornou-se um dos protagonistas nas negociações que precederam a crise da Rodada Doha, em 2008. Empenhou-se seriamente na tentativa de conciliar as posições antagônicas, especialmente na agricultura, de EUA, China e Índia.

A candidatura Azevêdo teria sido quase imbatível se tivesse ocorrido em 2010. Poderia capitalizar o sucesso nos panels do açúcar e do algodão - contra a União Europeia (UE) e os EUA, respectivamente -, nos quais teve envolvimento pessoal, desde os tempos em que ainda estava baseado em Brasília, e também a posição construtiva do Brasil em 2008.

Passados três anos, porém, mudou radicalmente a percepção em Genebra quanto à política comercial brasileira. A proteção, inclusive de insumos, tem sido gradativamente aumentada. Houve insistência na desgastante defesa da incorporação às regras da OMC de correções para levar em conta flutuações cambiais. Foram estabelecidos regimes discriminatórios de taxação indireta de acordo com conteúdo nacional, penalizando as importações. Será por acaso que, na semana passada, Japão, EUA e UE começaram a questionar tais regimes na OMC?

Para que Roberto Azevêdo seja escolhido, a boa avaliação das suas virtudes pessoais terá de compensar a péssima impressão que vem causando a política comercial brasileira. As bolsas de apostas parecem indicar vitória brasileira, mas não se deve esquecer de que, no início do processo, os favoritos dos apostadores eram os candidatos da Costa Rica, da Nova Zelândia e do Quênia, que foram logo eliminados.

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