FOLHA DE SP - 19/05
A passagem do tempo e o fato de que temos consciência dela compõem, talvez, a condição que mais nos define
Nesta semana estive no Brasil dando uma palestra em um evento corporativo. Havia umas 200 pessoas, de várias regiões do Brasil, executivos e administradores.
Minha missão era iniciar uma reflexão macro, tirando as pessoas de sua área de conforto, colocando questões que, na correria da vida, tendemos a deixar de lado.
Como pediram para que eu falasse sobre o homem, o tempo e o espaço, embarquei numa discussão de como a ciência moderna vê a questão da existência humana: suas origens, seu significado, sua incumbência enquanto espécie, seu destino. Nada mais estimulante do que dividir minhas reflexões sobre esses temas tão fundamentais.
Comecei falando de como somos criaturas limitadas pelo tempo, com uma história que começa e acaba; mostrei que, tal como nós, assim são também as estrelas e o próprio Universo, cada qual com a sua história.
A passagem do tempo e o fato de que nós, como espécie, temos consciência dela são, talvez, a condição que mais nos define: a consciência que temos da nossa existência e da sua finitude.
Argumentei que muito do esforço criativo humano, nossos poemas e nossas sinfonias, a literatura, as ciências e a filosofia, enfim, a soma total da produção cultural da nossa história coletiva podem ser vistos como uma resposta a esses anseios, como uma tentativa de compreender a razão de nossas vidas.
Amor, reprodução, poder e relacionamentos, são manifestações de quem somos e de como escolhemos viver nossas vidas.
Passei para a questão das origens: do Cosmo, das estrelas, da vida, mostrando que todas as culturas de que temos registro oferecem uma narrativa da criação, um esforço de explicar de onde veio tudo.
Olhar para o céu e ver milhares de estrelas nos remete, inevitavelmente, à questão da existência de outros mundos, da possibilidade de que não estamos sós no Universo. Mais ainda quando aprendemos que apenas em nossa galáxia, a Via Láctea, existem em torno de 200 bilhões de estrelas, o Sol sendo apenas uma delas.
Mostrei imagens belíssimas tiradas por sondas espaciais, como o telescópio espacial Hubble, explicando como essas máquinas maravilhosas são um depoimento da criatividade humana: esses pequenos robôs atravessam milhões de quilômetros pelo espaço sideral, visitando outros mundos controlados aqui da Terra por pessoas como nós.
Sugeri que devemos celebrar esses feitos tecnológicos como celebramos outras grandes obras da humanidade, das pirâmides às catedrais medievais, da arquitetura de Brasília à Mona Lisa e às sinfonias de Beethoven.
Mostrei que, diferentemente do que a maioria pensa, e como explico no livro "Criação Imperfeita", quanto mais aprendemos sobre o Cosmo, mais relevantes ficamos: aglomerados moleculares de poeira estelar capazes de refletir sobre quem somos, de construir máquinas que nos permitem ver além da nossa percepção tão limitada do real.
Tentei, com palavras e imagens, celebrar a condição humana e a beleza austera do Cosmo.
E, ao fim de tudo isso, tão inexorável quanto a passagem do tempo, veio a pergunta inevitável: "O senhor acredita em Deus?"
Um comentário:
Há algum blog ou site onde se possa acompanhar todoas as mensagens e textos de Marcelo Gleiser?
Postar um comentário