FOLHA DE SP - 24/04
BRASÍLIA - Quando há mortes em série nos EUA, a reação no Brasil é quase sempre a mesma. No calor do fato, é comum ouvir: a sociedade norte-americana é doente e cheia de malucos atirando uns nos outros.
Como se sabe, não é bem assim. Tragédias com matadores descontrolados acontecem em todas as partes. No Brasil, a memória sobre Realengo ainda está fresca.
A análise subsequente é também clássica nessas horas. Resmunga-se contra o destaque para três mortos em Boston enquanto nas periferias brasileiras há muito mais assassinatos e ninguém dá bola. Seria melhor me eximir de comentar tal observação. Não resisto. Repito o óbvio. Uma das razões para um fato virar notícia é a sua excepcionalidade.
Mas o aspecto que mais me interessa nessas situações é quando, em geral, policiais nos EUA são aplaudidos depois de caçarem suspeitos. É só as imagens aparecerem "foi o caso das bombas em Boston" e muitos brasileiros reagem tapando o nariz. Acham um despropósito saudar agentes de segurança "tão brutais" (sic). Afinal, um dos suspeitos foi morto em circunstâncias incertas. O outro ficou gravemente ferido ao ser capturado.
A reação brasileira é reveladora da nossa relação com a lei e a ordem. Há aqui um desprezo difuso a tudo que cheira a oficialismo. Identifico três razões na origem desse valor bem tupiniquim (também presente na América Latina afora).
Primeiro, a ditadura militar (1964-1985) nos ensinou a desconfiar e a repelir policiais. Segundo, a tradição ibero-católica nos compele a amar o Estado quando temos algo a lucrar de maneira direta e a odiá-lo se nos obriga a cumprir nosso dever. Por fim, a qualidade geral da polícia no Brasil deixa a desejar.
Nesse contexto, entendo tantos brasileiros sentirem náusea ao verem norte-americanos aplaudindo seus policiais. Mas acho que esse é mais um traço do nosso atraso.
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