FOLHA DE SP - 24/04
SÃO PAULO - Foi Porfírio (c. 234 - c. 305) quem definiu o homem como animal racional. Ele estava errado, mas isso não é tão mau. Afinal, se fôssemos racionais o tempo todo, ninguém daria gorjeta num restaurante a que não pretende voltar e esposas abandonariam seus maridos doentes para ficar com um parceiro saudável. Num mundo perfeitamente racional, havendo garantias de que não seremos apanhados, sempre vale a pena roubar a carteira do melhor amigo. A moral e a ética estão fundadas em nossas emoções.
Isso não significa que um temperinho racional não seria bem-vindo. Por mais que tente, não compreendo a reação da multidão de franceses que protesta contra a aprovação do casamento gay. O que dois adultos fazem de forma consensual entre quatro paredes em matéria de sexo não é da conta de mais ninguém e, se o Estado confere a casais heterossexuais uma série de direitos, não há justificativa racional para não estendê-los a pares do mesmo gênero. Até faria sentido se os manifestantes estivessem reclamando das perdas fiscais que a medida implicará, mas não parece que seja este o caso.
De modo análogo, não entendo bem a insistência dos gays no casamento de papel passado. Eles estão basicamente procurando sarna para se coçar. Dado que 55% dos matrimônios franceses acabam em divórcio e que os direitos fundamentais estão assegurados tanto na figura do casamento quanto do pacto civil, ao qual homossexuais já têm acesso, na maioria dos casos seria mais prático e barato jamais oficializar as núpcias. Essa ao menos tem sido a opção de cada vez mais franceses. Embora o instituto do pacto civil tenha sido criado em 1999 para contemplar os gays, hoje 95% dos que recorrem a ele são casais heterossexuais.
Mesmo sem pretender chegar a um mundo 100% racional, que seria um lugar ruim de viver, deveríamos pensar duas vezes antes de dar plena vazão a nossas emoções morais.
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