Valor Econômico - 24/04
A história política de Roberto Freire tem constantes que se reproduzem com tal naturalidade que muitas vezes seus críticos perdem a referência e vão buscar defeitos onde há apenas perseverança. O que ocorreu agora com a criação da Mobilização Democrática, MD, legenda resultante da fusão do PPS com o PMN, é síntese de uma trajetória marcada pelo senso de realidade na construção do caminho até encontrar o porto.
Mais do que buscar uma aproximação do quadro eleitoral, suas mudanças representam claramente a busca do que define como uma afirmação da esquerda democrática.
Isso tem a ver, na sua avaliação, com a origem de tudo: " O partidão, e as vicissitudes que ele passou por causa da própria realidade mundial, do socialismo, e a constatação que foi feita que é necessário estar buscando sempre a renovação, as alianças, a linha do processo democrático".
Mobilização pode ir com Eduardo Campos, se ele for
O que é fundamental nesse processo? Freire explica: "O compromisso com a ideia da esquerda democrática, nunca perder esse ideal da mudança, da transformação".
Em todos os partidos onde o PCB, o partidão, encontrou guarida para atuar inclusive quando esteve na clandestinidade, fez a busca da autenticidade, do seus ideais. Freire rebate outra crítica, a de que suas transformações servem de linha auxiliar de um ou outro projeto partidário. "Nós nunca nos firmamos, como alguns imaginam, como força auxiliar de quem quer que seja. Nunca fomos sub-legenda. Muito ao contrário. Nunca fomos o que não somos. Já fomos com o PT, já fomos com o PMDB, já fomos com os socialistas, já fomos com o PSDB, votamos com quem nos aliamos, com quem achamos que devemos".
Para Freire, o partido em que se encontra em cada momento transformador é sempre o mesmo, o PCB, sempre pequeno, sempre com dificuldades, sempre identificável, sempre independente. E em cada momento as pressões, até de fora, provocam o debate interno, a dúvida, a mobilização. Sempre volta a questão da identidade, do rumo.
Agora, parece estar claro que o debate interno será feito a partir de uma afinidade com os socialistas e, como consequência, na caminhada de 2014, queiram ou não os adversários, com a candidatura presidencial do Eduardo Campos.
"Estou me preparando para a discussão, no Mobilização Democrática, sobre o que isso vai significar. Vai ter uma disputa boa, num primeiro momento, como vamos caminhar em 2014. O PPS, antes do processo de fusão, tinha um movimento que crescia com a ideia do Eduardo Campos. No PMN não tem ainda uma clareza disso. Mas quem pensa vir para a Mobilização Democrática tem uma tendência de aliança com Eduardo Campos".
Nada há de estranho nisso, ao contrário. Eduardo nunca foi um tradicional aliado do PT em Pernambuco e já ouviu discursos de campanha que insultavam seu avô, Miguel Arraes, chamando-o de "o Pinochet do Nordeste". Derrubado esse mito da aliança inquebrantável, que na verdade foi mais pessoal, com Lula, pode estar no socialismo o porto da esquerda democrática.
"Tivemos sempre proximidade grande dos socialistas. Relação estreita. Tanto no PCB, como no PPS, mesmo com divergência".
Para o líder do novo partido, a busca de afirmação da esquerda democrática, com o MD, não tem em mente apenas uma aproximação eleitoral visando 2014, "que seria apenas uma decantação do processo".
Claro que, tendo no horizonte uma eleição, um objetivo definido, tudo caminha mais facilmente. Mas, faz questão de retomar a linha da transformação: "A aproximação é da grande frente democrática de esquerda, que o MD tem na sua origem. Porque vem do PPS, vem do PCB".
Esse tipo de processo exige trabalho duro, debate, e é o que Roberto Freire está acostumado a fazer e vai fazer, para dentro e para fora.
Em vários momentos do processo, com alianças de um lado ou de outro, o partido dessa esquerda democrática teve maior ou menor votação. Quando esteve com a candidatura Geraldo Alckmin, ano da verticalização, fez muitos deputados, teve grande votação. A campanha de Ciro Gomes pelo PPS só ajudou o partido, registra Freire. Refletiu um bom desempenho nas disputas municipais e em seguida em 2006. Em 2010 o partido seguiu com José Serra. "Vamos permanecer no campo da esquerda democrática". Freire cita um levantamento desse histórico das alianças desde o PCB para concluir que esteve sempre alinhado a uma política de esquerda ou de centro esquerda.
Que não teme mudanças, sabe-se, mas o que mesmo está Freire procurando?
"Estou procurando um partido que expresse um pensamento de uma esquerda democrática. Que possa aglutinar esses setores, seja um partido, ou um movimento que expresse isso, que se alie com isso. Nós fomos com o PT, pensamos isso com o Lula. Na nossa avaliação, não se realizou. O PT não aprofundou a democracia, ao contrário. O governo petista é um governo que infelizmente, nesses últimos tempos com certa constância, atenta até contra a democracia, que não é um valor universal para a sua atividade partidária". É uma esquerda, segundo Freire, que não atendeu aos pressupostos daquilo que, com o fim da experiência histórica do socialismo real, ficou como valor fundamental para os oriundos do PCB.
Além da busca do eleitor de opinião, Freire conta que transferiu-se para São Paulo porque o partido tinha uma concepção, há muitos anos, que se tivesse uma liderança partidária expressiva, teria capacidade de eleger. São Paulo já é há algum tempo o grande centro da política brasileira. A economia também está lá, o estado mais desenvolvido, faz com que tenha a política mais expressiva e significativa".
E redobra a atenção ao espaço que se abre. Depois de um tempo, em que o PT ocupou quase todos os espaços da esquerda brasileira, com a adesão de todos os políticos de esquerda, o quadro agora é outro. "Como nós não nos vinculamos crescemos muito pouco. Hoje, com a experiência do PT no governo, o espaço para a esquerda democrática começa a se formar de novo". Daí a discussão que a transformação de um partido pequeno provoca.
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