ZERO HORA - 24/04
As redes sociais são mesmo sociais? Temos testemunhado uma eletrizante troca de informações entre smartphones, mas socializar, pra valer, exige mais dedicação do que uma simples teclada. É por isso que um movimento está sendo articulado na Inglaterra por um grupo de simpatizantes do olho no olho. Eles estão tentando implementar por lá o Neighborday, ou o Dia do Vizinho. A data proposta é agora, dia 27 de abril.
No prédio em que eu morava anteriormente, tive três vizinhas de quem fiquei amiga: a Dedé, com quem ainda cruzo pelas ruas, a Heloisa, que hoje vive na Suécia, e a Bebel, que durante anos ilustrou minha página no ZH Donna. No prédio em que moro atualmente, há aqueles com quem tenho alguma afinidade, uma história já compartilhada, mas não sei o nome de todos e já passei alguns vexames por causa disso. Minha interação, se é que se pode chamar assim, acontece basicamente no elevador e na garagem: nunca fiz visitas, nem os convidei a virem ao meu apartamento.
Não sei se entre eles há o costume de confraternizarem, de darem uma esticadinha juntos após a reunião de condomínio. Se sim, é louvável, mas não estou reivindicando inclusão. Me sentiria parte de um sindicato, de uma agremiação, de uma confraria, e vim ao mundo sem esse perfil comunitário. Não chega a ser um defeito de caráter, espero.
Deve ser consequência desses tempos individualistas e apressados dos adultos. Quando criança, era diferente. Morava num pequeno edifício, numa rua tranquila, e conhecia toda a garotada, de esquina a esquina. Vivíamos soltos, brincávamos com argila, andávamos de bicicleta, frequentávamos a casa uns dos outros. Flavia, Miguel, Vera Lucia, Suzana, Artur, Roberta, Ovelha. Lembro de todos, a Flavia e o Miguel ainda vejo. Aquilo não era política de boa vizinhança, e sim um encontro espontâneo. Não se exigiam afinidades, boas maneiras, interesses comuns. Bastava uma Monareta e já ter feito a lição de casa para entrar para a gangue.
Crescemos, e as cidades também. Ao menos nos grandes centros, os vizinhos já não deixam a porta destrancada, não há mais o ritual de colocar as cadeiras na calçada para tomar um chimarrão, e se pedirmos uma xícara de açúcar, um ovo, um fio de azeite, é capaz de soar como invasão de privacidade. Uma pena.
Espero que ao menos esse hábito ainda esteja preservado, pois acho a parte mais bonita de se compartilhar o mesmo endereço: a troca, o pedir e o emprestar, o S.O.S. afetivo – quem já não ficou desprevenido e pediu para o vizinho um toco de vela ou licença para dar um telefonema? Nossa, deixe eu tirar o pó dos meus ombros. Sou do tempo em que se dava um telefonema na casa dos outros quando a nossa linha era cortada.
Próximo sábado, então, será o primeiro dia do vizinho. Não sei se a proposta dos ingleses, que almejam estimular o mundo todo, vai pegar, mas encaro como uma simpática reivindicação por mais cordialidade real – não real no sentido monárquico do termo, mas real como a vida tem que ser, como a vida é, ou como já foi um dia.
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