FOLHA DE SP - 10/04
SÃO PAULO - O vigor das reações contra Margaret Thatcher e a seu favor mostra que a "dama de ferro" morreu como um legítimo ícone político. Para o pessoal mais à direita, ela foi uma verdadeira heroína, que sepultou de vez os flertes do Reino Unido com as ideias socialistas e liberou as forças de mercado, lançando o país na rota da modernidade e do sucesso econômico.
Já para a turma mais à esquerda, seus principais feitos foram destruir sindicatos, reduzir direitos sociais e alienar patrimônio público com privatizações. Como sempre ocorre nesse tipo de situação, o melhor diagnóstico provavelmente está em algum ponto entre as posições mais extremas. Só não me perguntem qual.
O interessante aqui é que as mesmas decisões políticas e suas consequências comportem interpretações tão antagônicas -e que o juízo que delas fazemos seja estendido a quem as tomou, resultando na criação de símbolos que podem tanto ser descritos como santos ou diabos. Ao lado de Thatcher perfilam-se Stálin (guia genial dos povos X maior genocida da história), Che Guevara (herói revolucionário X assassino cruel), madre Teresa (a bondade personificada X marqueteira manipuladora que não ligava para os pobres).
Pelo menos em teoria, boas revisões históricas podem nos oferecer um retrato mais preciso desses personagens. Às vezes, isso acontece. São cada vez mais raras as vozes que defendem Stálin como um herói e mais numerosas as que o apresentam como o tirano impiedoso que de fato foi. O curioso, entretanto, é que nem sempre queremos acesso às informações que nos levariam a uma avaliação objetiva. É que preferimos usar esses ícones para reforçar nossas próprias convicções políticas.
Já falei aqui dos experimentos de Drew Westen que sugerem que o cérebro sente prazer sempre que inibe impulsos que ameacem nossas preferências partidárias. Definitivamente, a política pode ser uma droga.
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