O Estado de S.Paulo - 24/03
Rendeu marola a conversa da semana passada, em torno de nomes de gente que são também nomes de coisa, bicho ou vegetal. Como o guilherme que o Guilherme usa na carpintaria. Poucas reclamações: um Bernardo não gostou de se saber xará daquele berloque da anatomia masculina, e uma Cecília, ao ver-se no balaio das serpentes, só faltou me picar. Duas Betes perguntaram que jogo é esse originado do beisebol. Talvez o "bete (ou bente) altas" da minha infância, em que o desafio era derrubar com a bolinha a base adversária, tripé armado com gravetos. Não tem no Houaiss, mas eu estive nos anos 50 e dou fé.
Já que o papo onomástico prosperou, aqui vai mais. O que não falta é gente com nome de não-gente. O alfredo, por exemplo, é um candeeiro comum, sem manga. Chama-se ambrósio o suporte do coador de pano de café. O benjamim, sabemos todos, é o caçula, mas também o plugue que, com seus pinos e várias entradas, viabiliza um elétrico, quem sabe eletrizante ménage à trois, à quatre...
Fique sabendo que a francisca era um "machado de dois gumes usado por guerreiros francos". Nada de chamá-la de chica, até porque chica é outra coisa, na verdade três: 1) uma dança lúbrica de origem africana; 2) qualquer bebida alcoólica, especialmente a cachaça; 3) ponta de charuto, cigarro ou baseado. Imagine o que resultaria de um encontro das três chicas.
Sem maiúscula, francisco não designa coisa alguma. Mas chico pode ser tudo isto: bolinha; mico ou macaco doméstico; sujeito fingido ou mentiroso; menstruação; uma dança; comandante de marinha mercante; e, no Nordeste de antanho, chicote. Já que estamos na região: em Alagoas, "carlito" ou "carlitos" é casquinha de sorvete. Duas bolas de cupuaçu no carlito, por favor.
Caio é sinônimo de caiação, e augusto, quando não adjetivo, carece de imponência: "palhaço coadjuvante". Em alguns lugares do Brasil, basta pedir mateus para que venha a cachacinha. E quem, nas regiões vinícolas, der um pio, estará ofertando uma "pia de grandes dimensões em que se pisam uvas".
Será o benedito? - poderá alguém indagar diante de um pica-pau "de asas e cauda negras, barriga, peito e nuca vermelhos, fronte e garganta amarelas". Sim, é o benedito. Já o sebastião tanto pode ser uma ave noturna (bacurau, curiango, urutau) como um tipo de cação, ou, ainda (não leve a mal, Tião), um sujeito tolo. Mais sorte teve o rafael, sinônimo de "apetite, fome, disposição para comer" - quem sabe a carolina, de preferência recheada com doce de leite, ou a madalena, aquele bolinho ovalado que engordava as lembranças de Marcel Proust.
"Elemento químico de número atômico 69 da família dos lantanídeos", terá o túlio algum parentesco com o hélio, "elemento químico do número atômico 2, da família dos gases nobres"? A respeito do primeiro, o dicionário pouco informa, mas o hélio parece ser um bom elemento: bastante prestativo, para múltiplos usos, da refrigeração de reatores nucleares aos anúncios luminosos, passando pelos balões e dirigíveis.
Nem todos estão informados de que se chama bárbara a câmara onde se armazena a pólvora. Eu ficaria com a versão humana, mesmo sabendo que certas Bárbaras são eventualmente mais explosivas. Em caso de incêndio, recorra à teresa, corda que presidiários improvisam com lençóis para escapar da cana.
Esteja ciente de que a dora é uma gramínea nativa das Antilhas (pode chamá-la de sorgo), e a eugênia, sinônimo de jambo no sul da Bahia, enquanto a catarina-gomes, a exemplo da mônica, vem a ser uma variedade de mandioca. Sem hífen e sobrenome, ela designa uma casta de uva branca e, vá saber por quê, os seios: que belas catarinas tem a Catarina! Não bastasse, a catarina é mala, em sentido literal, daquelas de papelão, comuns no interior em outros tempos. Não está no dicionário, mas tem o aval de meu amigo Ricardo Galuppo, que fala com a autoridade quem de veio de Curvelo, norte de Minas, não sei se carregando a sua catarina.
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