FOLHA DE SP - 24/03
Não é possível afirmar que o crescimento do investimento no Brasil deveu-se ao BNDES
A dificuldade em ciência social é que a complexidade do fenômeno social faz com que a avaliação do impacto das políticas públicas seja difícil.
Em geral, consideramos dois pontos no tempo, antes e depois da introdução da política pública, e avaliamos o impacto sobre uma variável de interesse da política pública.
A dificuldade com a análise é que entre o antes e o depois muitas outras variáveis além da política pública se alteraram. Não é possível assegurar que a alteração na variável de interesse foi provocada ou causada pela política pública.
Muitas vezes podemos escolher um grupo de controle que não foi afetado pela política pública, e que seja indistinguível do grupo-alvo, e verificar se o impacto que se atribui à política pública deveu-se de fato à política pública.
Por exemplo, para avaliar o impacto do Bolsa Família sobre o desempenho escolar das crianças, pode-se, a partir de um grupo grande de famílias-alvo do programa, sortear metade para receber e a outra metade para não receber.
O acompanhamento ao longo do tempo do primeiro e do segundo grupos permitiria avaliar se o programa tem impacto ou não no desempenho escolar das crianças.
Uma questão importante é avaliar o impacto do BNDES sobre o investimento. Um dos principais argumentos para justificar os elevados empréstimos do Tesouro Nacional ao BNDES a taxas de juros fortemente subsidiadas é que não há no Brasil fontes de financiamento de longo prazo.
Consequentemente, se não houvesse um banco com as características do BNDES, o investimento seria muito menor.
A dificuldade que o cientista social encontra para testar se a proposição implícita no parágrafo anterior é verdadeira é que teríamos que imaginar o exercício contrafactual: qual teria sido a taxa de investimento nos últimos anos se não tivéssemos o BNDES?
Os últimos anos oferecem um laboratório, ainda que imperfeito, para tentar testar essa proposição. Houve, a partir de 2008, forte elevação nos empréstimos do Tesouro Nacional ao BNDES. Será que houve elevação do investimento? A dificuldade de responder a essa pergunta, como vimos no início desta coluna, é que entre o antes e o depois várias outras variáveis associadas ao investimento (além dos empréstimos ao BNDES) se alteraram. Será que conseguimos construir um grupo de controle?
O grupo de controle ideal seria um conjunto de países com características próximas às brasileiras que não dispõem de um banco de desenvolvimento da dimensão do BNDES. Vou considerar os dez países latinos da América do Sul e o México com grupo de controle.
A tabela apresenta (para cada país) a média das taxas de investimento (isto é, o investimento em proporção ao PIB) para o período 2003-2007 e a média das taxas de investimento para o período 2009-2011.
O primeiro período, de 2003 até 2007, constitui o nosso "antes" antes da elevação dos empréstimos do Tesouro ao BNDES-, e o período seguinte é o nosso "depois".
Na terceira coluna, há a diferença em pontos percentuais do PIB entre essas duas médias. Vemos, por exemplo, que no período "depois" a média das taxas de investimento para o Brasil foi 2,7 pontos percentuais do PIB mais elevada do que no "antes".
Será que podemos atribuir esse aumento à elevação dos empréstimos do Tesouro ao BNDES? Sob a hipótese de que os dez países selecionados com grupo de controle são de fato um bom grupo de controle, a resposta é não.
Como indicado na tabela, há casos de fortíssima elevação da taxa de investimento, por exemplo o Uruguai, e casos de fortíssima redução -Paraguai.
Na média, excluindo o Brasil entre o primeiro e o segundo período, houve no grupo de controle elevação da taxa de investimento de 2,4 pontos percentuais. A dispersão da elevação (chamada pelos estatísticos de desvio padrão) foi de 2,6 pontos percentuais.
Não é possível afirmar que os 2,7 pontos percentuais de crescimento do investimento no Brasil deveram-se ao BNDES. Nosso grupo de controle apresentou na média crescimento do investimento da mesma magnitude.
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