FOLHA DE SP - 07/03
Novo presidente está condenado a refazer as pontes com o setor privado, ainda majoritário
O socialismo do século 21 de Hugo Chávez é menos socialista que o do século 20, se por socialismo se entender a estatização dos meios de produção.
É o que mostra o Banco Central da Venezuela: o reinado de Chávez aumentou, sim, a participação do Estado na economia, mas o setor privado ainda responde por 58,2% do Produto Interno Bruto. O Estado avançou de 35%, quando Chávez assumiu, em 1999, para 41,8% em 2012.
A pergunta seguinte é óbvia: se, como parece mais provável hoje, Nicolás Maduro se eleger presidente, haverá mais avanço do Estado ou alguma recuperação do setor privado?
A boa lógica manda cravar a segunda hipótese. Simples de explicar: o vice-presidente é tido como homem de confiança da liderança cubana, uma das razões, talvez a principal, para que tenha sido ungido por Chávez como seu sucessor.
Se Cuba está abrindo espaço para o setor privado, não faria sentido recomendar o contrário a Maduro.
Até porque a liderança cubana tem interesse vital em que a Venezuela dê certo: de 20% a 22% da economia cubana é gerado pela estreita associação com a Venezuela.
E, para a Venezuela dar certo, é indispensável refazer as pontes com o setor privado. Não bastam os programas sociais que fizeram a glória eleitoral de Chávez e serão parte fixa da agenda política venezuelana pelo futuro previsível.
Para manter tais programas, o setor privado terá que ser chamado a cooperar porque o papel do Estado como locomotiva econômica aproxima-se da exaustão.
A ineficiência da economia venezuelana reflete-se em dois fenômenos que minam a popularidade de qualquer governo: inflação exagerada (20,1% em 2012, o mais alto índice da América Latina) e desabastecimento (20,4% dos produtos que os consumidores pedem na rede comercial não estavam disponíveis em janeiro).
Para não falar no deficit público, que, em 2012, situou-se na altura de 11,9% do PIB, patamar insustentável no médio prazo e que, obviamente, dificulta a expansão do gasto público, principal motor do crescimento de 45% que a economia da Venezuela conheceu nos anos Chávez.
Há, portanto, razões de sobra para supor que Maduro, se de fato se eleger, olhará menos para o socialismo cubano do século 20 e mais para o "lulismo", cujo líder "também fez do 'povo' e do alívio da pobreza uma prioridade, e, com melhor gerenciamento e sem a polarização no confronto com o 'império', teve impressionante sucesso", como escreve Jon Lee Anderson para a "New Yorker".
Até porque rótulos como "socialismo do século 21" contam pouco ou nada para as massas, como depõe para "El País" Beatriz Lecumberri, ex-chefe do escritório da agência France Presse em Caracas: "O socialismo e a luta contra o capitalismo não impregnaram um povo consumista, individualista e convencido de que o petróleo resolverá seus problemas".
Ou, como dizia o então líder chinês Deng Xiaoping, "não importa a cor do gato, desde que ele pegue o rato".
Maduro terá, pois, que decidir com que socialismo pegar o rato da prosperidade venezuelana.
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