O ESTADÃO - 26/03
As últimas pesquisas de popularidade do governo Dilma Rousseff, combinadas com as de intenção de voto às eleições presidenciais de 2014, apontaram um aparente paradoxo. Gomo explicar índices tão elevados de aprovação da presidente e seu aberto favoritismo eleitoral de momento, diante da economia com inflação alta e disseminada, em ambiente de virtual estagnação econômica?
Recortada por classes de renda e distribuição geográfica, que apontam maior aprovação proporcional nas faixas de menor remuneração e nas regiões mais pobres, as pesquisas recentes reforçaram as explicações mais difundidas para o aparente enigma. Elas seriam de duas ordens, aliando a sensação de bem-estar conjunturalmente oferecida pelo mercado de trabalho a uma exposição intensa da presidente na mídia, com anúncios de medidas de redução de preços e tarifas, via desoneração de tributos, em setores econômicos, com claro apelo popular.
Além da maior exposição pública e da transformação precoce das ações de governo em temas de palanque eleitoral, a popularidade de Dilma, mesmo com uma economia no mínimo claudicante, se deve, segundo ampla convergência de análises, ao mesmo fator que, em razão do aumento de renda, alimenta o consumo: taxa de desemprego muito baixa, concentrando absorção de mão de obra menos qualificada no setor de serviços.
A partir dessa suposta decifração da charada da alta popularidade do governo, em cenário de pretenso desarranjo econômico, parece tomar corpo uma estratégia moldada para fazer Dilma navegar, até o ainda longínquo outubro de 2014, no mar turbulento da economia, sem perda de popularidade e das intenções de voto. Nessa estratégia, não haverá lugar, nos próximos 18 meses, para correções de rota com base em políticas contracionistas, que possam afetar negativamente o mercado de trabalho.
Se fosse o caso de apostar, valeria a pena pôr fichas na intensificação do uso de medidas pontuais e de efeitos mais imediatos, com o objetivo de conter, diretamente, os índices de inflação. O melhor exemplo de ações com esse figurino são as desonerações de tributos e outros subsídios, como os aplicados nas tarifas de energia e nos produtos da cesta básica. Os sinais são de que o governo gostou das experiências até aqui realizadas e vai continuar recorrendo a esse ferramental.
Conforme reportagem publicada no Estado de ontem, economistas da Fundação Getúlio Vargas calculam que as desonerações já garantiram um corte de 04 ponto na taxa de inflação de 2013 e avaliam que a redução pode avançar para pelo menos 0,6 ponto até o fim do ano. Promover desonerações seletivas e pontuais, buscando calibrar os índices de preços, é um tipo de ação arriscado, com efeitos colaterais e limites relativamente estreitos. Mas, com a antecipação da campanha eleitoral, o cálculo político ganhou prioridade e, com ele, aumentou a probabilidade do recursos a ações de superfície na economia.
Há até bases empíricas para sustentar tal estratégia. O economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central e colunista do Estado, em recente boletim enviado a clientes de sua consultoria, descreveu exercícios econométricos a partir dos quais concluiu que, nos tempos atuais, o peso da inflação é relativamente baixo em relação ao que se passa no mercado de trabalho. De acordo com o exercício, 1 ponto porcentual a mais na taxa de ocupação resulta em mais 5 pontos na popularidade do presidente, enquanto 1 ponto a mais na taxa de inflação reduz 1,2 ponto no índice de aprovação.
O elevado grau de difusão das altas de preços nos índices de inflação indica que há pressões de demanda, sobretudo no setor de serviços, não atendidas pela oferta doméstica. Parte dessas pressões tem origem no mercado de trabalho aquecido, mas estaria fora de cogitação, a acreditar na hipótese respaldada pelo estudo de Pastore, um enfrentamento radical da dicotomia inflação-emprego, em favor de um esforço, que afetaria negativamente o emprego, para trazer a inflação ao centro da meta.
Assim, em linha com as machadadas das desonerações nos galhos mais altos da árvore inflacionária, tanto os juros básicos quanto o superávit fiscal primário tenderiam a se mover a conta-gotas - a taxa básica mirando tão somente evitar que a inflação ultrapasse, no fim do ano, o teto da meta, e as contas públicas se equilibrando como possível, mas nunca recorrendo a cortes nos gastos sociais, incluindo programas de transferência de renda, que possam pôr em risco a taxa de ocupação no mercado de trabalho.
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