O ESTADO DE S. PAULO - 26/03
O resultado das eleições nos EUA e em Israel, surpreendentemente, abriu uma janela de oportunidade para os moderados, tanto em Israel como no mundo árabe. Ofereceu também a perspectiva para os EUA e a comunidade internacional reabrirem o processo de negociação entre Israel e a Autoridade Palestina, com vista a encontrar um caminho para a paz no Oriente Médio.
Em ambos os países, os temas econômicos - recuperação da economia, redução do déficit, aumento do emprego - estiveram no centro das discussões eleitorais, deixando para segundo plano as questões de política externa. Em Israel, os radicais do Likud e do Beytenu davam como certa a maioria no Parlamento e não contavam com a expressiva votação do novo partido Yesh Atid, liderado por Yair Lapid, populista, conhecido apresentador de televisão, e dos partidos árabes-israelenses, que representam 21% da população. O Parlamento dividido deixou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu enfraquecido e com um equilíbrio político interno precário. No acordo de coalizão para formar o governo, conseguido com dificuldade, teria sido incluído, por pressão de Lapid, o compromisso do governo de voltar a negociar com os palestinos e o término da isenção de impostos e de serviço militar para os judeus ortodoxos. A saída do ministro da Defesa, Ehud Barak, um dos representantes da linha dura contra a Palestina, também poderia facilitar uma decisão favorável à negociação.
Nos EUA, a reeleição do presidente Barack Obama, embora com o Congresso também dividido, reforçou a posição em favor da paz e evitará atitudes desafiadoras da parte de Tel-Aviv. O forte lobby israelense do American Israel Public Affairs Committee (Aipac), sobretudo no Congresso, está calado, mas certamente tentará reagrupar suas forças dentro do novo quadro pós-eleitoral. Hillary Clinton havia proposto a Obama uma nova iniciativa para solucionar o conflito, mas as prioridades de política interna e a aproximação das eleições forçaram o adiamento da idéia.
A primeira visita de Obama a Israel e à Cisjordânia, na semana passada, recolocou os EUA no centro da difícil equação de paz na região. Depois das conversas com Netanyahu e com o presidente Mahmoud Abbas, Obama reafirmou, embora em termos genéricos, o compromisso dos EUA com uma solução negociada, que reconheça a segurança de Israel e a soberania da Palestina. "A única maneira de Israel terminar seu isolamento, sobreviver e progredir como um Estado judeu e democrático é através da concretização de uma Palestina independente e viável, com justiça e autodeterminação", enfatizou Obama. O renovado esforço de paz - possível, mas difícil - foi defendido com forte retórica, que agradou aos dois lados, mas decepcionou pela falta de ação concreta. Voltando atrás em compromisso inicial de seu governo, Obama decidiu não liderar os entendimentos, delegando ao secretário de Estado, John Kerry, a missão de reiniciar as negociações. Netanyahu reafirmou estar comprometido com a solução dos dois Estados, apoiada pelos EUA, mas evitou tratar dos detalhes, ao menos em público. Sintomaticamente, o Irã, e não a Palestina, foi o ponto central de seus pronunciamentos.
A aprovação da Autoridade Palestina como membro observador das Nações Unidas contou com esmagador respaldo, tendo somente os EUA e a República Checa (com seis outros Estados menores) ficado ao lado de Israel. Os países europeus - que sempre apoiaram Israel - votaram contra ou se abstiveram. O Reino Unido, que juntamente com os EUA tem sido um dos mais sólidos aliados de Israel, pela voz de seu ministro do Exterior "condenou as decisões de Israel de expandir os assentamentos, porque cada vez torna mais inviável a solução dos dois Estados".
Persistem grandes dificuldades em todos os pontos mais sensíveis da negociação. Os assentamentos, condição palestina para a retomada das negociações, teriam de ser suspensos, o Hamas e o Fatah teriam de se entender, os foguetes contra Israel teriam de terminar, assim como o bloqueio da Faixa de Gaza. Os radicais de ambos os lados teriam de ser contidos para dar lugar aos moderados, mas isso não é simples. O recente ataque de Israel à Síria mostra a precariedade do equilíbrio na região e a recorrente ameaça de um incêndio de graves proporções. Sempre que se abre uma perspectiva de paz, os radicais de ambos os lados fabricam uma grave crise que dificulta o avanço político.
Os EUA são o único país na comunidade internacional com influência para propor a retomada das negociações e definir a agenda, como foi feito no Acordo de Oslo, em 1993, e como ocorreu, sem sucesso, no final do governo Bill Clinton. Os resultados iniciais da visita de Obama não são encorajadores. A continuação das sanções americanas contra a Palestina pela aprovação do status de observador na ONU, a concordância implícita com os assentamentos israelenses em territórios palestinos e a aparente falta de avanços concretos nas conversações de Obama com o governo israelense fizeram aumentar o ceticismo e o pessimismo da comunidade internacional.
Poderá a ofensiva de Obama criar condições para a volta da diplomacia? Aparentemente, ainda não chegou a vez dos moderados, apenas se entreabriu uma porta para eles passarem.
O Brasil, que tem aspiração de atuação significativa nesse processo, poderia propor, via Brics -já que a Rússia é membro do chamado Quarteto (Rússia, EUA, Europa e ONU) -, que a proposta feita pelo príncipe Abdullah, da Arábia Saudita, em 2002 seja retomada. Pela proposta, o Estado de Israel seria reconhecido por todos os países árabes (hoje somente o Egito e a Jordânia o fazem), seria garantida a fronteira de Israel com segurança, com base nos acordos de 1967, em troca da criação do Estado Palestino.
Seria um ato corajoso que, sem dúvida, reforçaria a projeção externa brasileira.
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