terça-feira, março 26, 2013

O fator Argentina - BENJAMIN STEINBRUCH

FOLHA DE SP - 26/03

A relação comercial brasileira com o grande parceiro do Mercosul precisa ser rediscutida


O Brasil vem colecionando derrotas para a Argentina. Em novembro, perdemos no futebol por 2 a 1 em Buenos Aires. O melhor jogador do mundo é, indiscutivelmente, Lionel Messi, argentino.

Agora, o papa, Francisco, também é argentino. Foi eleito no dia 13, num conclave em que um cardeal brasileiro estava entre os favoritos. Aliás, o novo papa encantou o mundo com sua simplicidade, naturalidade e sensibilidade social, pelo que merece todo o apoio e respeito.

Só ganhamos da Argentina nos últimos anos na economia. Lá, a situação é difícil, a inflação é elevada, o governo já apelou até para o velho congelamento de preços e os problemas cambiais, aqueles que costumam quebrar países, como dizia Mario Simonsen, pairam como ameaça. Aqui, apesar do baixo crescimento, há pleno emprego, e a inflação, embora resistente, não ultrapassa o limite superior da meta.

Na semana passada, soubemos de outra derrota brasileira na Argentina, agora também no campo da economia. Nosso grande parceiro comercial do Mercosul está reduzindo suas compras do Brasil em velocidade surpreendente, 18% no ano passado, enquanto o superavit bilateral brasileiro caía 65%.

Esse comportamento poderia ser considerado normal, dadas as dificuldades argentinas e o desaquecimento de sua economia. Mas a mesma conduta não se dá em relação a outros importantes parceiros comerciais do país vizinho. Enquanto enfraquecia sua relação comercial com o Brasil, a Argentina aumentava em 160% suas compras da Holanda, 9% dos Estados Unidos, 7% do Japão e 2% da Alemanha.

A Argentina tem sido grande compradora de manufaturados brasileiros. Mas não se pode atribuir unicamente a ela a atual tendência de redução das vendas externas de manufaturas.

Observe-se, por exemplo, a variação da participação dos manufaturados nas exportações brasileiras em geral, que atingiu 60% do total exportado no ano 2000 e caiu para 37% no ano passado.

Em 2012, as exportações gerais de manufaturados, com um câmbio mais favorável no segundo semestre (taxa média na faixa de R$ 2,05), tiveram apenas uma pequena queda, de 1,7% na comparação com 2011. Os básicos e os semimanufaturados, em razão da forte redução das cotações das commodities industriais e agrícolas, caíram fortemente -7,4% e 8,3%, respectivamente.

Preocupa muito, de qualquer forma, a continuidade do comportamento negativo das exportações gerais de manufaturas neste ano. No primeiro bimestre, a queda foi de quase 10% em relação ao mesmo período do ano passado.

A tendência negativa tem a ver com a debilidade dos mercados desenvolvidos e também com a valorização do real ante o dólar e a baixa competitividade do produto brasileiro. Um estudo da Fiesp mostra que o produto brasileiro é 34,2% mais caro quando comparado com similares dos 15 países que mais fornecem ao Brasil.

Para o futuro imediato, há ainda outro fator preocupante: a reindustrialização da economia americana, já em curso, impulsionada pelos baixos custos da energia do gás de xisto e pelo câmbio favorável, vai colocar no mercado uma nova leva de produtos manufaturados americanos competitivos.

Feitas essas ressalvas, voltemos ao fator Argentina. Não há como negar que a relação comercial brasileira com o grande parceiro do Mercosul está em deterioração e precisa ser rediscutida de maneira séria.

Há um protecionismo crescente no país vizinho, que impõe dificuldades alfandegárias para a entrada de manufaturados brasileiros, em desrespeito a normas do Mercosul. O assunto é de vital importância para a indústria de manufaturados brasileira e para a própria balança comercial do país.

E a rediscussão da parceria continental precisa incluir a criação de mecanismos que facilitem acordos de comércio também com Estados Unidos e Europa.

Argentina, especificamente, é um tema que exige atuação rápida da diplomacia brasileira. Está longe de se restringir à rivalidade futebolística ou à disputa na eleição papal. É algo que tem impacto na economia brasileira.

Estimativas indicam que, considerando efeitos diretos e indiretos, o fator Argentina tirou 0,5 ponto percentual da taxa de crescimento do PIB do Brasil em 2012.

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